Encrenca em Dobro

Aurora fez uma careta e Rowan riu, o que me fez sorrir também.

Seth estava fazendo exercícios com a maior parte da matilha, enquanto Cole limpava a cozinha para me deixar dormir com as crianças. As coisas não estavam indo como o esperado, no entanto.

Definitivamente não estão indo como o esperado.

"Será que dá pra você simplesmente só curtir uma história de amor?" Rowan perguntou, sorrindo feito um bobo.

Naquela noite, eu estava mais uma vez ensinando aos meus filhos histórias sobre as divindades. A gente sempre falava de diferentes figuras, em seu espectro amplo.

Enquanto Aurora geralmente pedia histórias sobre Nyx, Anubis, Ra ou, ocasionalmente, os Três Destinos, Rowan era mais fã de praticamente qualquer deus da morte. Mas os deuses astecas eram seus favoritos.

E naquela noite, ele pediu uma história sobre Hades, e eu me perguntei se talvez aquilo poderia despertar o interesse de Aurora, já que Perséfone se tornou uma das minhas favoritas desde que conheci Linda.

Mesmo que muito da previsão de Linda na época tivesse a ver com um feitiço que seu coven lançou sobre ela, mesmo agora ela parecia ainda ter um pouco desse poder sobrando. Um poder que me escapou, a Rainha das Bruxas.

Claro, compartilhar histórias valiosas trocadas entre bruxas com meus filhos era inútil se eles continuassem a brigar ou a se preocupar com esses tipos de detalhes. Eram histórias que não podiam ser encontradas em livros.

"Ela era a donzela da primavera. Depende da versão da história, em todas elas eles se conhecem num jardim, e ele a leva para o submundo."

"Ela até podia sair de lá; mas havia regras específicas para isso. Ela sempre tinha que retornar dentro de um certo período de tempo ao submundo. Então, não dá pra falar que é tecnicamente sequestro" Rowan apontou.

Aurora permaneceu insatisfeita, decidindo que Hades era o vilão da história. Mesmo em sua mente de oito anos, ela já parecia não gostar de meninos. E a história de Perséfone não estava ajudando.

"Se ele era tão cruel com ela e queria o pior para ela, por que ele daria a ela um anel de proteção?" Eu perguntei suavemente, as palavras trazendo os dois pares de olhos de volta para mim.

"Um anel de proteção?" Cole se juntou a nós na sala e ouviu minhas palavras.

Senti um rubor subindo pelas minhas bochechas.

Mesmo depois de vários anos de casamento e muitas discussões, era difícil compartilhar coisas que deveriam ficar entre bruxas.

Ainda havia algumas coisas sobre as quais eu nunca diria uma palavra em voz alta, mas mesmo compartilhar as atividades do dia a dia com alguém que não cresceu ativamente em nossa comunidade era diferente e altamente desafiador às vezes.

"Isso não está nos livros," admiti, tentando não encará-lo enquanto ele se sentava no braço do sofá.

Usar magia por motivos egoístas quando eles simplesmente não aprenderam era um desperdício de energia em muitos níveis.

"Quando Perséfone desceu pela primeira vez ao Submundo, Hades temeu por sua segurança. Então, ele forjou um anel que a protegeria onde quer que ela viajasse no Outromundo."

Virando a cabeça ligeiramente em confusão, Cole fez uma careta, uma que eu entendi muito bem.

Quando falei com ele sobre a Superfície, Outromundo e Não-Mundo, ele pensou neles como três lugares diferentes além do Submundo. O problema é que, na verdade, não tínhamos ideia de como eles estavam conectados.

O reino dos Fae e dos deuses nos iludia porque era uma terra de fantasia e magia que apenas tocava a superfície de nosso mundo, alimentando-nos como nós o alimentávamos. Nossa magia era de alguma forma diferente, mas semelhante.

Era um lugar onde o tempo às vezes era atemporal e onde a terra e o território podiam mudar tanto de um passo para o outro que era como atravessar um portal em um jogo.

"Papai acha que você está mentindo," disse Aurora. Ela prestava atenção em tudo. Ela sempre gostou muito do meu relacionamento com os dois pais, desde os cinco anos de idade.

Ela prestava muita atenção, notando como nosso relacionamento era muito diferente do dos outros.

Revirando os olhos, levantei-me e caminhei até a estante que guardava na sala de estar cheia de meus velhos livros de feitiços.

Eu escolhi um; tinha sido da minha mãe, e eu finalmente consegui dela cerca de uma semana atrás. Era difícil continuar a dizer não à Rainha das Bruxas quando se tratava de heranças de família como esta.

Ela ainda não tinha vindo conhecer os netos, no entanto. Ninguém da minha família tinha... Mas era melhor assim.

O livro continha um esboço do anel. Foi feito de um material preto e parecia muito com uma videira ou nó com dedos esqueléticos envolvendo uma joia. Especificamente, um rubi. O esboço foi datado de 635 DC e simplesmente intitulado "Anel de Perséfone".

"Isso tem que ser mentira," Cole disse com admiração, levantando-se do sofá para dar uma olhada. Até Aurora e Rowan já tinham vindo para inspecioná-lo.

"Essa é mesmo a linha do tempo certa? Tipo, quando foi eles começaram a adorá-la?" Cole perguntou.

Suspirei, fechando o livro, nem mesmo querendo entrar em linhas do tempo e deuses. Cole era o maior cético, enquanto Seth concordava com as coisas com um pouco mais de facilidade.

Tentar explicar a Cole que se os deuses são deuses, eles estão além do tempo, e convencê-lo de que mais tarde poderia ser rotulado pelo que eles acreditavam que era... Bem.

Sem bruxas mortas voltando à vida, seria preciso muita energia para tentar provar que um cético está errado. Então guardei minha história para outro dia. Às vezes, era melhor deixar as coisas acontecerem naturalmente.

"Certo. Hora de dormir," eu disse, fazendo Cole rir. Ele sabia muito bem como eu estava irritada.

Rowan gemeu, só querendo ouvir mais para ficar acordado, mas Aurora já estava pulando para seu quarto no final da casa.

No momento em que eles estavam fora da sala, os braços de Cole estavam em volta dos meus quadris enquanto eu guardava o livro com segurança. "Está brava comigo?"

"Não tenho como ficar brava. Você faz perguntas. Isso é bom" eu admiti a contragosto, já um pouco menos brava quando ele começou a trilhar beijos para cima e para baixo no meu ombro.

"Eu ainda quero ouvir sua história."

"Mhmm," eu respondi, fechando o estojo enquanto eu enrolava meu outro braço para passar a mão sob sua camisa e em seu cós.

Eu o puxei para mais perto de mim. "Eu acho que você está mentindo."

"Ah, pode ter certeza. Não tem nada com que eu me importe menos no momento do que outra mulher."

"Seth está em casa?"

"Na floresta," Cole respondeu, mordiscando minha orelha. "Eu tenho uma brincadeira divertida em mente. Você quer brincar?"

Isso animou minha loba interior que tinha ficado quieta pela maior parte da noite.

Ela parecia gostar de ser bruxa e mãe tanto quanto eu, contente em ficar dentro de casa e cuidar dos outros. Aquela proposta, porém, soavam como um desafio. "O que você tinha em mente?"

"Ele está a caminho de casa. Se você puder correr até ele a tempo, nós dois vamos te foder."

"A tempo?" Eu perguntei confusa, me virando enquanto me puxava para fora.

Os olhos de Cole já estavam mudando, o lobo nele começando a aparecer enquanto ele sorria para mim.

"Melhor correr, lobinha, antes que eu venha te devorar primeiro."