
Senti meu estômago se revirar.
“Onde está o Ace?”, perguntei, apreensiva. Lembrei da minha mãe pedindo ao meu padrasto para que fosse buscá-lo.
Eu não queria o Ace por perto. Temia o que ele poderia fazer agora que eu conhecia seu segredo. Será que ele me feriria? Ou à minha mãe?
Minha mãe segurou minha mão. “O Ace já está chegando. Não se preocupe. Só pedi que ele tomasse um banho rápido. Ele não quis sair do seu lado todos esses dias.”
“Mas você acordou logo depois que ele saiu. Seu corpo provavelmente sentiu a ausência dele.”
“Não, mãe, não é isso... O Ace... O Ace é um...”
Eu não sabia como contar a ela o que presenciei. Ninguém acreditaria se eu dissesse que vi meu namorado se transformar em um lobo e matar um homem.
Ouvi passos apressados no corredor e gelei, sabendo quem era.
Tarde demais.
O Ace entrou no meu quarto de hospital, e senti um frio na barriga ao vê-lo.
Ele estava péssimo. Eu nunca o tinha visto tão abatido e exausto nos 12 anos que o conhecia.
Os cabelos castanho-escuros estavam desgrenhados e molhados, pingando na camisa branca e calça úmida. A barba por fazer e as olheiras profundas marcavam seu rosto.
Ele havia emagrecido. Suas feições pareciam mais afiladas. Ele parecia doente.
Eu quis ajudá-lo. Há quanto tempo ele não dormia ou se alimentava direito? Ninguém estava cuidando dele? Parecia que ele ia desmaiar a qualquer momento.
Sem pensar, me sentei, querendo dizer a ele para deitar ao meu lado e descansar. Talvez eu pudesse pedir aos meus pais que trouxessem comida para ele e—
Eu me contive, surpresa com meus pensamentos. O que estava acontecendo comigo? Por que eu queria esquecer o que ele fez e o que era só porque ele parecia triste?
Eu me forcei a sentir medo em vez de preocupação, o que foi fácil quando vi seus olhos. Estavam muito negros – não o azul escuro habitual.
Não era a primeira vez que eu via os olhos do Ace de uma cor diferente, mas era a primeira vez que eu sabia o que aquilo significava.
O lado animal dele estava oculto por trás dos seus olhos, me observando e tentando tomar o controle.
Lembrei da última vez que vi o Ace, quando seu lobo matou o sequestrador Elias. Havia sangue em sua boca enquanto ele vinha na minha direção.
Lembrei de ver seus ossos se quebrando e se remodelando enquanto ele retornava da forma de lobo para a humana bem diante de mim.
Nem percebi que estava me afastando do Ace até quase cair da cama. Eu me segurei, mas isso fez minha perna doer intensamente. Gritei de dor.
Ele se moveu rapidamente, tentando me ajudar.
“Não!”, gritei antes que ele pudesse me alcançar. “Não me toque”, falei, chorando.
Ace parou, parecendo arrasado e preocupado. Ele ergueu as mãos para mostrar que não iria me machucar.
“Doe, meu amor, está tudo bem”, ele disse, quase implorando. “Não vou me aproximar se você não quiser. Você não precisa ter medo de mim. Por favor.”
Balancei a cabeça. “Você era um... Você se transformou em... u-um...”
“Um lobo”, ele disse. “Você me viu voltar da minha forma de lobo. Eu sou...”
Ele respirou fundo. “Eu sou um lobisomem. Mas você não precisa ter medo de mim. Isso não muda nada. Eu ainda sou eu. Nós ainda somos nós.”
Recuei quando ele deu outro passo na minha direção. Quase caí novamente, então me agarrei às grades da cama.
Se minha perna não estivesse machucada, eu já estaria do outro lado do quarto, tentando descobrir como tirar meus pais daqui sem que o Ace nos impedisse.
O Ace parou de se mover novamente. “Estou afastado. Não vou me aproximar se é isso que você quer.” Parecia doer nele dizer isso.
Ele olhou para minha mãe que ainda estava ao meu lado.
“Você pode ficar atrás dela, por favor?”, ele pediu educadamente. “Não quero que ela caia da cama e se machuque.”
Minha mãe fez o que ele pediu, e me senti um pouco melhor. Eu queria ficar entre ela e o Ace caso ele fizesse alguma coisa.
Vi meu padrasto em pé atrás do Ace, nos observando, pronto para ajudar se necessário.
Eu queria que ele ficasse atrás de mim como minha mãe. Meus pais não faziam ideia do perigo. Do perigo em que eu os coloquei.
“Não vou te machucar”, disse Ace. “Eu nunca te machucaria. Você sabe disso.”
Mas eu não sabia. Eu não sabia mais do que ele era capaz.
Apertei a mão da minha mãe atrás de mim com força. Eu sabia que ela estava confusa. Meu pai também. Eles provavelmente ouviram a palavra lobisomem e acharam que o Ace e eu tínhamos enlouquecido.
“Você feriu o Elias”, eu disse. “Você... você o matou. Eu vi.”
O rosto do Ace endureceu. “Ele estava apontando uma arma para você, Doe. Ele atirou no Mitchell. Eu estava te protegendo.”
“Matando alguém?!”, retruquei. “Não é esse tipo de proteção que eu quero!”
Talvez eu estivesse apenas muito assustada, mas achei que deveria haver outra maneira de deter o Elias sem matá-lo.
O Elias era bom no fundo. Ele não queria machucar ninguém. Ele só estava com medo. O que ele fez com o Mitchell não foi certo, mas matá-lo também não foi certo.
Ninguém precisava morrer. Matar nunca deveria ser a primeira opção de ninguém.
“Você nem pensou duas vezes antes de matá-lo”, eu disse, com a voz trêmula. “Você é... você é um monstro.”
Ace soltou um gemido triste. O que eu disse o feriu. “Eu sei que é isso que você pensa. E talvez você esteja certa, mas vou me esforçar muito para mostrar que isso não é verdade.”
“Não. Eu não vou permitir.”
“Como assim?”
“Você mentiu para mim. Todo o tempo que nos conhecemos – doze anos inteiros –, você nunca me contou a verdade.”
“Como você pode achar que eu vou querer ficar com você, confiar em você novamente, agora que eu sei disso? Como você pode achar que eu vou me sentir segura perto de você novamente agora que eu sei do que você é capaz?”
Achei que os olhos do Ace já estavam o mais escuros possível, mas ficaram ainda mais negros. O negro começou a se espalhar pela parte branca.
Os dentes dele ficaram enormes, cortando o lábio inferior, e os músculos se expandiram sob a pele.
Ele emitiu um som de raiva, fechando os olhos e cerrando os punhos, pelos negros e grossos crescendo nos braços.
Meu pai caminhou na direção do Ace.
Meu coração quase parou. Papai não sabia o que estava acontecendo. Ele não sabia que o Ace estava prestes a se transformar em um lobo furioso e talvez matar a todos nós.
“Pai! Não!”, gritei, tentando alertá-lo.
Não fui rápida o suficiente. Quando meu pai colocou a mão no ombro do Ace, ele se virou e mostrou os dentes para ele, emitindo um som alto e furioso.
Meu pai permaneceu calmo, olhando para o Ace sem medo.
“Acalme seu lobo”, meu pai disse com voz firme. “A Dorothy não precisa ver você se transformar agora.”
O Ace estava respirando pesadamente e grunhindo de raiva. Ele sacudiu a cabeça como se estivesse tentando se controlar.
“Ace”, meu pai disse novamente, “sei que o que a Dorothy falou deixou seu lobo com raiva, mas você precisa controlá-lo.”
Ele colocou as duas mãos nos ombros do Ace e o segurou. “Você está assustando sua companheira, alfa. Olhe para ela, ela está morrendo de medo. Ela precisa que você seja humano agora.”
Isso chamou a atenção do Ace. Ele se virou para olhar para mim.
Os olhos dele suavizaram. Os músculos diminuíram. Os dentes voltaram ao normal, e os olhos retornaram ao azul.
“Desculpe”, ele disse baixinho. “Meu lobo está mais forte do que eu agora. Prometo, ele só quer fazer você se sentir melhor. Ele só não sabe como demonstrar isso adequadamente.”
Assenti com a cabeça.
“Sinto muito por ter te assustado”, ele disse novamente. Dava para ver que ele estava realmente arrependido. Ele parecia muito envergonhado.
Fiquei olhando para ele enquanto me deitava na cama. Minha cabeça doía demais. Parecia que meu cérebro estava ficando grande demais para minha cabeça.
Devagar, me virei para meu pai, pensando no que ele tinha falado.
Ele sabia.
Papai olhou para mim, e dava para ver que ele estava se sentindo mal e envergonhado.
“Você sabia?”, perguntei baixinho. “Você sabia que o Ace era um lobisomem?”
Meu pai olhou para minha mãe como se não soubesse o que dizer. Olhei para ela.
“Vocês dois sabiam?”, minha voz saiu fraca.
Eles não disseram nada, mas eu sabia que isso significava que sim.
Senti que ia vomitar.
“Todo mundo sabia menos eu?”
“Por que não nos sentamos todos?”, papai disse. “Acho que está na hora de conversarmos.”