
Concordei em deixá-lo me acompanhar até em casa, mas decidi não puxar muito assunto durante o caminho.
No início, Randall nem percebeu e ficou falando sobre seu dia e coisas que ouviu de outros professores comentando.
Observei seu queixo forte se movendo enquanto falava e como seu nariz franzia quando mencionava coisas que não gostava.
Ele estava tão concentrado em falar que demorou um pouco para notar que eu não estava dizendo nada.
“Não pode ter sido tão ruim assim, Mallory”, ele disse, brincando, cutucando de leve meu braço.
Mordi o lábio, tentando não cair no seu charme, mas não resisti quando olhei em seus olhos cor de mel brilhantes.
“O trabalho em si dá para o gasto”, falei com um suspiro. “Mas as crianças são outra história.”
“Elas aprontaram alguma?”, ele perguntou. “Se sim, posso ir à sua sala e dar um toque nelas sobre comportamento.”
“Não é que se comportaram mal”, eu disse.
Pensei em Roger, mas não o mencionei.
Não queria que Roger, que era só um pentelho, virasse o assunto principal. Além disso, não era ele que me incomodava; era como as crianças pareciam não se importar.
“Você disse que essas crianças estavam muito tristes com a morte da professora, mas nenhuma delas parecia abalada de verdade. Algumas até fizeram piada.”
“Fizeram piada?”, Randall disse, parecendo surpreso.
Fiz que sim. “Elas disseram que ela vivia dormindo na aula.”
“Silvia tinha problemas para dormir. Não sabemos exatamente como ela morreu, mas acredita-se que foi por exaustão. O corpo humano pode ser muito frágil.”
Tudo que Randall dizia batia com o que as pessoas falavam sobre a morte da Srta. Peters. Mas se todo mundo sabia que ela não conseguia dormir, por que não deram uma ajuda? Randall não era conhecido por magia, mas poderia ter feito algo para ajudá-la.
“Ela não pediu ajuda? Por que você não tentou dar um jeito?”
“Eu tentei ajudar”, Randall disse. “Até trouxe café com diferentes ingredientes como camomila e beladona, mas nada parecia funcionar.”
“Coitada”, suspirei. “Não pregava o olho e tinha que levantar toda manhã para lidar com aquelas pestes.”
“As crianças não são tão ruins”, Randall disse. “Elas são apenas humanas, e humanos lidam com as coisas de um jeito diferente.”
Ele disse isso enquanto passamos pela escola primária, que era cercada por uma estrutura metálica que parecia uma jaula. Com certeza aquilo estava lá por um motivo.
“Então por que eles precisam de uma jaula para proteger as pessoas, se crianças humanas são tão inofensivas?”, perguntei, apontando para a estrutura pela qual estávamos passando.
Randall deu uma gargalhada. “Aquilo não é uma jaula”, ele me disse. “É uma cerca, e é para protegê-las. Crianças humanas costumam se perder, então as cercas estão lá para evitar que isso aconteça.”
“Ah”, eu disse, olhando para a cerca, sem saber se engolia essa.
“Foi seu primeiro dia”, Randall disse quando chegamos perto da minha rua. “Amanhã vai ser melhor.”
“Ai, caramba!”, gritei, batendo na testa. “Esqueci que tinha que voltar.”
Randall riu baixinho. “Elas não são tão ruins. Você só precisa se acostumar”, ele disse enquanto começava a subir até minha casa.
Paramos meio sem jeito na minha porta da frente.
“Obrigada por me acompanhar até em casa”, eu disse.
Para minha surpresa, o rosto de Randall ficou vermelho. “Na verdade, tenho pensado neste momento desde que começamos a conversar online de novo.”
Meu coração acelerou. “É mesmo?”, perguntei, esperando que ele falasse mais.
“Sim, é verdade.”
Ele chegou mais perto, afastou uma mecha de cabelo da minha testa e colocou atrás da minha orelha. Era um gesto pequeno, mas fez meu coração disparar.
Não era assim que eu imaginava nosso primeiro beijo, mas depois do dia ruim que tive, era melhor que nada.
Seus lábios se abriram um pouco, e ele inclinou a cabeça. Então, parou e olhou para mim, como se estivesse esperando que eu desse sinal verde.
Fiz que sim e levantei o queixo para que sua boca pudesse tocar a minha.
Sempre achei que beijar Randall Page seria de tirar o fôlego. Não foi tão emocionante assim, mas foi gostoso. Seu beijo suave me fez sentir leve e me deixou zonza.
Sua língua tocou a ponta da minha, se movendo devagar ao redor dos meus lábios. Gostei da provocação, mas me inclinei para aprofundar o beijo, porém Randall se afastou.
Um pouco decepcionada, puxei meu lábio de baixo como se quisesse manter o gosto da boca dele na minha.
Randall sorriu para mim, e por um momento, achei que ele fosse sugerir que entrássemos para fazer mais.
Mas quando ele abriu a boca, sua expressão mudou, como se de repente tivesse lembrado de algo. “Ah! Trouxe um presente para te dar boas-vindas a Wakefield”, ele disse, virando-se para pegar algo em sua bolsa.
Não era um convite para jantar, mas fiquei feliz por ele ter me trazido um presente.
“Só uma lembrancinha”, ele disse, me entregando uma caixa de plástico com o que parecia ser uma flor dentro.
“O que é isso?”, perguntei, confusa com o presente estranho.
“É uma magnólia magenta do jardim do meu avô; é uma variedade que ele mesmo criou”, ele explicou, abrindo a caixa. “Tem um cheiro incrível. Sente só.”
Abaixei a cabeça e inspirei, mas não senti o aroma incrível que Randall tinha prometido.
Em vez disso, meu nariz começou a coçar e meus olhos ficaram irritados.
Não querendo magoar Randall, eu disse: “Você tem razão, o cheiro é ótimo.”
Tentei sorrir para ele, mas meus olhos me traíram quando começaram a lacrimejar.
“Ah, não! Você está tendo uma reação alérgica”, Randall disse. Ele fechou rapidamente a caixa e a colocou de volta na bolsa.
“Está tudo bem”, eu disse, acenando com a mão, mas não estava nada bem.
Me senti tonta, e o pequeno movimento da minha mão me fez cambalear.
“Você precisa de ajuda?”, Randall perguntou, parecendo preocupado enquanto meus olhos começavam a inchar e fechar.
Morrendo de vergonha, alcancei a maçaneta da porta. “Estou bem, sério. Isso acontece comigo direto na primavera. Não é nada que um remedinho não resolva”, eu disse.
Minha língua tinha começado a inchar, mas consegui dizer um rápido “Tchau” antes de fechar a porta na cara de Randall.
Toquei meu rosto, chocada com a reação do meu corpo.
A maioria dos meus remédios estava na cozinha, mas eu guardava meu remédio para alergia no armário do banheiro lá em cima. Cambaleei ao começar a subir as escadas.
Me segurei no corrimão para me apoiar e me arrastei até o segundo andar da minha casa. Meus olhos estavam grudados quando cheguei ao topo; usando a parede como guia, consegui achar meu banheiro.
O remédio fez efeito quase na hora, mas todo o episódio me deixou acabada física e emocionalmente.
Decidi me deitar enquanto o remédio fazia efeito, esperando que a sensação de tontura e mal-estar passasse.
Enquanto meus olhos ficavam pesados e minha cabeça começava a pender, lutei muito para não pegar no sono enquanto minha mente gritava: “Não durma!”