
Eu costumava descobrir coisas através dos sonhos. Foi assim que fiquei sabendo que minha melhor amiga do colégio estava de caso com meu namorado pelas minhas costas.
Foi também dessa maneira que descobri a verdade sobre meu pai.
Minha mãe dizia que ele tinha ido fazer um trabalho especial com seu grupo de bruxos e nunca mais voltou. Mas, na verdade, ele simplesmente deu no pé e começou uma nova família na cidade vizinha.
Eu não era nenhuma especialista nos poderes dos sonhos, e minhas experiências ruins me fizeram não querer aprimorar essa habilidade. No entanto, às vezes ainda acontecia sem eu querer, e geralmente eu conseguia ter as rédeas dos meus sonhos.
Desta vez foi diferente. Ao adormecer, não consegui controlar o que estava acontecendo. Tive que seguir em frente mesmo relutante, enquanto minha mente me impelia a continuar.
Senti como se estivesse girando num espaço vazio imenso. De repente, me vi num lugar familiar: a mansão da família Page.
Fazia sentido que eu pensasse logo no Randall, já que ele tinha acabado de sair quando fui dormir. Mas eu estava apreensiva ao avançar, com medo de ver coisas que não devia.
Ao me aproximar da casa, uma carruagem parou na porta da frente, e um criado saiu para pegar algo que foi entregue.
Fiquei um pouco mais aliviada ao perceber que estava sonhando com o passado e não com o presente, onde poderia sem querer espiar o Randall. Me senti mais confiante e segui o criado para dentro da casa.
Eu nunca tinha posto os pés na mansão elegante dos Page antes. Era construída no antigo estilo vitoriano. Ao entrar, fiquei boquiaberta com a escadaria enorme e seus corrimãos todos ornamentados.
As escadas e pisos estavam cobertos por um tapete florido horroroso. Dava para ver só um pouquinho do lindo assoalho de madeira por baixo.
Hoje em dia, ninguém pensaria em esconder pisos tão bonitos assim. Mas a casa foi construída logo depois de uma época de muitas invenções. A maioria dos ricaços queria tapete porque achava que isso os protegeria de doenças, retendo a sujeira de fora.
Eu estava tentando entender os desenhos complicados do papel de parede que cobria toda a entrada quando um mordomo todo elegante passou por mim.
Sem pensar, meus pés seguiram o empregado arrumado enquanto ele ia até umas portas duplas e entrava na sala seguinte.
Vários criados estavam em pé ao redor de uma mesa comprida. Embora houvesse funcionários suficientes para uma festa e tanto, só duas pessoas estavam sentadas à mesa enorme.
Um homem bonito de cabelos grisalhos estava sentado na cabeceira. Ele tinha os mesmos olhos cor de avelã brilhantes e queixo quadrado do Randall.
Os bruxos são naturalmente atraídos uns pelos outros, então mesmo se o homem não fosse a cara do Randall, eu teria percebido na hora que ele era um bruxo.
Mas não foi o ancestral do Randall que me chamou a atenção. Foi a mulher sentada ao lado dele. Ela não tinha aquele magnetismo do bruxo, o que era estranho.
Ao chegar mais perto do casal, senti seu cheiro almiscarado. Fiquei surpresa ao descobrir que ela era humana — não que haja algo de errado com humanos ou seu cheiro.
Como a maioria das famílias de bruxos tinha diminuído por causa das caças às bruxas que ocorriam a cada poucos séculos, era incomum que bruxos se envolvessem com gente de fora da comunidade mágica.
A maioria das bruxas tinha medo que, se fizessem isso, sua linhagem familiar acabaria e seus filhos não teriam magia.
Achei especialmente estranho que um Page, uma das famílias de bruxos mais antigas, colocasse em risco sua história familiar por uma humana.
Quando o homem se inclinou e pegou a mão da mulher, ficou evidente que eles eram próximos.
“Eu detesto essas roupas”, a mulher reclamou, tirando a mão do homem para mexer no vestido.
Olhei para o que ela vestia e tive que concordar. O vestido era bonito, claro, mas a gola alta parecia um sufoco, e sua cintura fininha só podia ter sido feita por um espartilho bem apertado.
Se eu estivesse usando roupas tão chiques, pensei que também estaria de mau humor.
O homem se inclinou e sussurrou: “As roupas são necessárias; você precisa parecer que se encaixa nessa sociedade.”
“Por que tem que ser tão apertado?” A mulher reclamou.
“Não pense nas roupas, querida”, disse o homem. “Por que não praticamos suas maneiras à mesa?”
A mulher parou de puxar o vestido, pegou o garfo ao lado do prato e olhou para ele.
“Para que isso serve?” Ela perguntou. “Minhas mãos funcionam muito bem. Além disso, quem teve a ideia de fazer essas coisas de metal? Madeira é bem mais macia.”
Eu estava super interessada. A mulher agia como se fosse uma alienígena que tinha acabado de pousar na Terra.
Quando eu estava prestes a saber mais sobre ela, vi uma sombra rápida pelo canto do olho.
Quando virei a cabeça para olhar, vi uma criatura assustadora.
Antes que eu pudesse entender o que estava vendo, o monstro abriu a boca, mostrando fileiras de dentes afiados.