
Toc, Toc… É o Lobo
Os planos de Lina para o Halloween são simples: filmes de terror ruins, pipoca com manteiga e absolutamente nenhum universitário. Mas quando um estranho lindo aparece em sua varanda dizendo que está prestes a virar um lobisomem, sua noite tranquila vira um caos selvagem em segundos. Um par de algemas felpudas cor-de-rosa, alguns caninos afiados e muita pele à mostra depois, ela está presa no escuro com mais do que apenas perigo. Agora, Lina precisa decidir se ajudar ele a sobreviver à noite vai salvar sua sanidade… ou acender a conexão mais intensa e imprudente que já sentiu. O Halloween era para ser assustador… mas ninguém a avisou que também poderia ser quente.
Divertido, claro… se morrer contasse
“Vamos lá, vai ser divertido.”
A garota na TV estava prestes a entrar num porão onde alguém com uma faca esperava. Lina deu uma risadinha. Divertido, claro... se morrer nos primeiros dez minutos contasse. Ela puxou o cobertor para cima, seus cabelos pretos caindo soltos, e suas unhas pretas descascadas arranharam a tigela de pipoca.
Ela tinha a casa só para si esta noite. Sem o irmão jogando bola no corredor. Sem os pais mandando-a ir à igreja. Sem o vovô resmungando orações e colando papel amarelo nas janelas como se ainda estivéssemos na idade da pedra.
Ele havia feito isso antes de sair, suas mãos trêmulas grudando orações no vidro. Disse que era para proteção, principalmente no Halloween. Falou que esta noite não era só sobre fantasias e doces. Que era quando os mortos voltavam e espíritos procuravam gente.
Na época, ela revirou os olhos. Ela cresceu em Nova Jersey, curtindo especiarias de abóbora e programas de TV, não incenso e histórias de arrepiar. As crenças antigas do vovô a deixavam mais sem graça do que com medo.
Lembrou-se de ser a criança que cheirava a incenso na escola, aquela que não podia dormir na casa dos amigos porque “a casa tem que ficar limpa”.
Ela comeu mais pipoca, mastigando alto. Os sutras grudados nas janelas brilhavam à luz da TV, a escrita neles fazendo sombras esquisitas nas paredes. Era assustador. Mas só porque pareciam post-its velhos.
Na TV, a porta do porão abriu devagar.
Lina disse: “É, vai lá ser esfaqueada.”
Sua voz era o único som. A geladeira fazia um zumbido baixo. A casa estava quieta. Quieta demais. Um silêncio de dar medo.
Pela primeira vez na noite, o silêncio parecia pesado, como se estivesse escutando.
Ela forçou uma risada, tentando se animar. Filmes de terror eram melhores do que festas cheias de garotos suados usando perfume demais. Sua melhor amiga Marisol provavelmente já estava na farra, mandando um monte de mensagens dizendo que ela era chata, com fotos de berinjela. Marisol chamava o período de seca de Lina de crise humanitária.
É, fazia um tempo. Mas algum cara qualquer da sua turma? Nem pensar. Marisol achava que ela não tinha superado o ex. Que nada. Ela só era exigente.
Ela se ajeitou no sofá, puxando a blusa para baixo sobre o short. Cabelo bagunçado, olheiras, conforto acima da aparência; o visual típico de uma jovem ficando em casa.
Na TV, o assassino saiu do porão escuro, sua faca brilhando. A câmera mostrou os olhos arregalados da garota logo antes da faca descer e…
Toc. Toc.
Lina gritou, a tigela de pipoca voando, pipocas espalhando-se pelo chão. Seu coração disparou.
A batida não estava no filme.
“Não sou covarde,” ela disse baixinho, colocando a mão no peito. A garota no filme estava gritando num susto falso. Lina não queria ser aquela garota.
Mas... quem estava batendo tão tarde? Ninguém deveria vir. O vovô teria ligado antes e ele com certeza não diria para ela abrir a porta no Halloween.
Ela olhou para a janela. Um dos sutras do vovô se mexeu no ar, a escrita parecendo viva. Ele havia dito que os sutras manteriam os espíritos longe esta noite, quando “os mortos procuram os vivos”.
Ela engoliu em seco. Ela não acreditava mais nessas coisas. Não mesmo.
Outra batida. Mais forte, sacudindo a porta.
Ela olhou ao redor do quarto até ver o taco de beisebol do irmão encostado na parede. Não era exatamente uma espada, mas dava pro gasto.
Ela o pegou, a mão suada, e caminhou para frente. A personagem principal na TV estava andando devagar até a porta do porão, segurando uma faca. Lina quase riu. Elas estavam fazendo a mesma coisa.
Outra batida forte atingiu a porta dos fundos.
“Não sou covarde,” ela sussurrou de novo.
Estava escuro lá fora. Ela não conseguia ver nada. Nenhuma forma. Nenhum contorno. Nenhum rosto. Apenas batidas. Mais perto. Sem parar.
Seu peito subia e descia rápido demais. Ela segurou o taco com mais força, envolveu os dedos um por um na maçaneta fria, e abriu a porta…
“Espere!”
A voz era áspera, assustada. Não o monstro do seu filme. Um homem.
Alto, cabelo castanho molhado de suor, as duas mãos levantadas como se ela fosse bater nele. Seus olhos azuis pareciam assustados e selvagens.
Lina não abaixou o taco.
“Por que está aqui?”
“Eu...” Sua voz falhou. “Não tenho tempo para explicar.” Ele olhou por cima do ombro, verificando o quintal escuro. “Esta casa... ela está protegida, né?”
Suas sobrancelhas se ergueram. Protegida? De todas as possíveis razões; problemas no carro, endereço errado, universitário bêbado... esse maluco escolheu “casa protegida”.
“É... uma casa,” ela disse secamente.
“Não. Os papéis. Nas janelas. Sutras. Você os colocou.”
Ela olhou para o papel amarelo se movendo no vidro, a escrita do vovô fazendo sombras longas. Seu estômago embrulhou.
“Você quer dizer aqueles?” ela perguntou.
“Sim.” Ele se aproximou, parecendo muito preocupado. “Por favor. Me diz que você tem mais.”
Ela apertou o taco com mais força. Maluco religioso. Maluco. Claro.
“Olha,” ela disse calmamente. “Eu não estou administrando uma loja de coisas que afastam espíritos. A menos que você tenha uma emergência de verdade? Você precisa cair fora.”
“Você não entende, eu preciso de ajuda.” Sua voz falhou, soando urgente e baixa. “Você tem sutras? Amuletos especiais? Eu vi eles no batente da porta lá fora. Por favor. Me diz que você tem mais.”
Lina o encarou. Sutras. Amuletos especiais. Ele havia dito como se soubesse exatamente como chamar as coisas do vovô.
Um vento frio passou por seus ombros mesmo com a porta ainda bem fechada. Um dos papéis amarelos se moveu como se alguém estivesse soprando nele.
Como ele saberia sobre aquilo? Mas ele olhou para ela, seus olhos de um azul brilhante e estranho.
“Você tá de brincadeira?” ela disse com raiva, ainda segurando o taco. “Você tá pedindo papel mágico? Isso não é uma loja de presentes religiosos.”
Ele não se moveu. Mas havia algo errado na maneira como seus ombros se contraíam, o suor nele mesmo estando frio lá fora, seus dedos se movendo como garras tentando se libertar.
“Você não entende. Não são apenas orações. Eles seguram coisas. Eles mantêm coisas dentro. Se eu não ficar preso... se eu não tiver eles comigo... não serei eu mesmo por muito mais tempo.”
Ela segurou o taco com mais força. Segurar coisas? Manter coisas dentro? Ele soava como um cara pedindo para ser algemado.
“Tá certo,” ela disse, tentando não tremer. “Agora você vai me dizer que os 'adesivos contra espíritos malignos' do vovô funcionam e você tá prestes a virar o bicho-papão.”
Seu peito subia e descia, cada respiração áspera. O sutra perto da janela se moveu de novo, o ar parecendo pesado agora, como se o próprio quarto estivesse prendendo a respiração.
Ele falou mais baixo:
“Por favor. Se você não me ajudar, alguém vai morrer esta noite.”
“Dizer que você vai machucar alguém não me faz querer te ajudar,” Lina disse.
Suas pernas nuas tremiam. Fechar a porta o faria ir embora ou o deixaria com raiva? Bater nele com o taco também não parecia uma boa ideia.
“Eu...” Ele pressionou uma mão com força contra o rosto e a desceu. Sua respiração estava instável. “Eu não estou louco. Estou a minutos de me transformar em um lobisomem.”
Ela riu, mas soou assustada.
“Claro. E eu sou a Chapeuzinho Vermelho.”
Ele não riu. Não piscou. Sua camisa estava escura de suor. Seus ombros se moviam de um jeito esquisito, como se seu próprio corpo estivesse tentando se rasgar. A luz da varanda piscou, fazendo um zumbido, sombras se movendo pelo seu rosto.
“Eu preciso dos sutras,” ele disse com uma voz rouca. “E de algum lugar para ficar preso. Correntes. Algemas. Qualquer coisa.”
A palavra “sutra” fez seu estômago revirar. Os papéis amarelos do vovô grudados nas janelas atrás dela, a escrita profunda e preta. Por um segundo, a escrita pareceu se mover, as marcas ficando mais escuras como tinta fresca. Uma sensação fria subiu por suas costas, pesada e gelada, e o ar ficou apertado até que ela teve que se esforçar para respirar.
Ela levantou o taco, apontando-o para o peito dele.
“Por favor, vá embora. Eu não vou deixar você entrar.”
“Senhora...”
Suas palavras se transformaram em um som que não era humano. Ele caiu de joelhos, seus dedos cravando em sua cabeça. Um rosnado saiu dele, baixo e assustador, fazendo as janelas de vidro tremerem. Os sutras se moveram como se pegos em um vento que não estava lá. A luz da varanda ficou brilhante uma vez, depois diminuiu para um brilho fraco.
E quando sua boca se abriu, os dentes dentro não eram dele. Eram compridos demais. Afiados demais.
Lina segurou o taco com mais força. Todos os filmes de terror dos quais ela sempre riu não pareciam mais engraçados.
Enquanto Lina observava com olhos arregalados, os dentes dele cresceram, mudando de forma, com os dentes pontiagudos ficando longos e brilhantes.
Presas.
De verdade.













































