Tiffanyluvss
"Sou ciumenta, sou excessivamente cuidadosa. Quando estou deprimida, fico muito deprimida. Quando estou chapada, fico muito chapada. Eu sei ficar com raiva, querido, acredite em mim. Eu poderia te amar e te abandonar com a mesma rapidez." -Julia Michaels.
Música tema do capítulo: "Issues", de Julia Michaels.
HARMONY
Ficamos em silêncio enquanto seguimos pela estrada escorregadia, com o som da chuva batendo no metal e os rugidos dos veículos que passam preenchendo o vazio.
Eu não imaginava que a viagem até o shopping seria tão longa. Estou morrendo de ansiedade por estar nesse espaço minúsculo ao lado dele, e o fato de ele estar seminu torna a situação ainda mais estressante.
Em silêncio, suspiro, esfregando as palmas das mãos nas minhas pernas. O Blaze olha para mim e sorri levemente antes de voltar a se concentrar na estrada.
"Então, quem te ensinou a tocar piano?"
Olho para ele quando ele faz a pergunta e ele olha para mim, erguendo uma sobrancelha perfeita, com expectativa.
"Meu pai", respondo rapidamente, voltando a minha visão para frente. As emoções amargas voltam, e faço o possível para reprimi-las. Seria constrangedor desmoronar aqui mesmo, na presença desse cara desconhecido do segundo ano.
"Ah." Ele acena com a cabeça e deixa o assunto para lá. Mas, por algum motivo, sinto a necessidade de falar mais.
"Sim, ele me ensinou o básico." Aperto os meus lábios. "Antes dele ter um ataque cardíaco e morrer..."
Espero ouvir um 'Oh, sinto muito' ou qualquer forma de consolo simpático, mas, em vez disso, o Blaze simplesmente vai até o painel e liga o rádio.
A música animada enche o carro e eu pisco sem jeito e desvio o olhar, achando estranha a reação indiferente dele.
Não estou buscando simpatia ou qualquer forma de pena, mas acho que a reação dele a uma notícia tão dolorosa é estranhamente anormal. Talvez ele esteja tentando não estragar o clima?
Olho para o lado e ele está batendo os dedos suavemente no volante enquanto balança a cabeça ao som da música. Faço uma careta e desvio o olhar para a janela, sentindo-me muito ofendida.
Meu pai morreu, cara!
"A minha mãe também morreu", ele diz do nada, e eu olho surpresa para ele.
"Sério?"
"Sim." Ele dá de ombros casualmente, inclinando a cabeça para trás enquanto olha para mim. Tento ler a sua expressão, mas ela parece vazia.
Eu me endireito no meu assento e minhas feições se suavizam com simpatia. Agora, essa é uma reação normal. "Uau. Como isso aconteceu?"
"Ela atirou na própria cabeça." Ele levanta os ombros apaticamente, e minha boca se abre.
O quê?
Ao ver a minha expressão horrorizada, ele de repente cai em um ataque de riso profundo, jogando a cabeça para trás, mas ainda conseguindo dirigir com segurança.
O som ecoa predominantemente por todo o carro e, embora seja audivelmente agradável, não consigo encontrar o humor no que ele acabou de dizer.
Isso não é engraçado. Como ele pode estar rindo depois de dizer algo assim?
"Não fica assustada, eu tô brincando!" Ele tira o cabelo dos olhos, e meu coração começa a se descongelar. Graças a Deus.
Um sorriso persistente está em seus lábios enquanto ele olha pelo espelho retrovisor, ultrapassando cuidadosamente um carro lento à sua frente.
Por que ele brincaria com algo tão terrível? Se isso realmente acontecesse com ele, não sei como ele lidaria.
Eu não desejaria isso nem para o meu pior inimigo. O simples fato de pensar nisso é doloroso e não acho que ninguém sairia de uma provação dessas ainda mentalmente estável.
"Na verdade, eu não estou brincando", diz ele em um tom baixo. "Ela deu mesmo um tiro na própria cabeça."
Um silêncio se espalha pelo carro enquanto o espanto volta ao meu rosto. Fico esperando que ele me diga que é uma piada, mas ele não diz. Não dessa vez.
"O quê? Sério?" Minha voz treme. Eu me recuso a acreditar que algo tão terrível possa ter acontecido com ele.
"Sim." Ele diz como se não fosse nada, e eu desvio o olhar enquanto o meu coração se enche de pena.
"Nossa, eu sinto muito."
Nos meus olhos, brotam lágrimas de compaixão. Sei que não é da minha conta, mas é devastador demais.
Ele me olha confuso. "Você sente muito? Pelo quê?"
Estou surpresa e tento afastar as lágrimas dos meus olhos.
"Olha, é problema dela se ela quis se matar. Tipo, por que eu deveria sofrer por causa disso? Se ela quis morrer, foi uma escolha dela, mas eu? Eu tenho a minha vida pra viver."
Mordo o meu lábio, coçando a sobrancelha, pensativa. "Você só tá dizendo isso porque dói... e eu entendo..."
"Dói?" Ele zomba, balançando a cabeça. "Eu não sinto dor nenhuma, Skye."
Eu o encaro, e ele olha para mim.
"Não tô machucado. Acredita em mim."
Eu acredito nele. Ao observar seus olhos, percebo que eles não demonstram nenhum sinal de sofrimento ou dor, e isso me deixa perplexa.
Ele sorri e olha para a frente, enquanto eu tremo de nervoso. Estou pasma. Ele parece mesmo não se importar. Se ele está camuflando a dor, está fazendo um excelente trabalho.
Olho para ele confusa, tentando interpretar esse ser humano complexo sentado ao meu lado, mas o meu cérebro não consegue pensar em uma hipótese razoável.
As reações dele a coisas que fariam as pessoas normais gritarem são bizarramente excêntricas. Não posso deixar de me perguntar se estou ao lado de um alienígena.
Seu comportamento tem que ser pesquisado pela NASA.
"Droga, o estacionamento tá cheio pra caramba", ele murmura baixinho. Sou tirada dos meus pensamentos quando ele entra no estacionamento ao ar livre lotado do shopping, parando em uma vaga apertada.
Ele consegue estacionar o carro com habilidade no espaço estreito, o que me deixa envergonhada por ter sido reprovada duas vezes na prova de direção.
"Ainda tá chovendo, então vamos ter que correr." Ele tira o cinto de segurança e eu o sigo enquanto ele pega a camiseta no encosto de cabeça.
Mantenho o meu olhar à frente enquanto ele a veste, suspirando discretamente de alívio pelas minhas bochechas poderem finalmente voltar ao tom normal.
Saímos do carro e cobrimos as cabeças com as palmas das mãos enquanto corremos até a farmácia. Por sorte, é uma das lojas mais próximas do estacionamento ou teríamos nos tornado dois trapos molhados.
"Era aqui que você queria vir, certo?", ele confirma ao abrir a porta para mim, tirando a água do seu cabelo preto. A campainha toca quando o ar frio bate no meu rosto.
"Sim, obrigada."
Entro na farmácia fria, me envolvendo com um braço e sentindo os arrepios imediatamente na minha pele. O cheiro de remédios e produtos de higiene paira no ar enquanto percorremos o corredor estreito.
"O que você quer comprar?" O Blaze enfia as palmas das mãos nos bolsos, andando ao meu lado. "Camisinha?"
Olho para ele com um leve espanto, ele vê a minha reação e ri. "Eu tô brincando."
Não tenho certeza de quando ele está brincando e quando não está mais, considerando que a "piada" dentro do carro sobre a mãe dele acabou não sendo mesmo uma piada.
Vou até o corredor de produtos higiênicos e pego um pacote grande com vinte e quatro absorventes internos antes de pegar uns remédios e outras coisinhas que não trouxe de casa.
Percebo que o Blaze não está mais ao meu lado e olho em volta para vê-lo abrindo a pequena geladeira da farmácia e pegando duas garrafas de refrigerante. Ele segura alguns salgadinhos com o braço e está comendo um chocolate.
Eu sorrio suavemente e desvio o olhar.
Nunca comi uma coisa antes de pagar, porque se o valor total da compra for muito alto, eu posso devolver. Mas acho que ele tem bastante dinheiro. Deve mesmo ser um playboy. Com um carro daqueles, seus pais devem ser ricos.
Mas, então, me lembro da morte trágica da mãe dele e percebo que ele só tem o pai, e então penso em como ele provavelmente é solitário.
Mas a minha mente foca no fato de que ele parece não se importar com o suicídio da mãe, e agora estou apenas concluindo que ele provavelmente está de boa, mesmo.
"Até mais." A moça do caixa estende a minha sacola para mim e eu sorrio educadamente para ela. Mas ela não vê o gesto, pois está ocupada olhando para o Blaze, com admiração.
Ele a ignora enquanto termina de comer o seu Snickers, e eu saio do caminho silenciosamente para que ele possa pagar a sua compra.
As garotas imploram pela atenção dele, por isso não entendo por que ele está atrás de uma pessoa tão sem graça como eu.
Saímos da farmácia e ainda está chovendo forte. Olho para o céu, que agora é uma grande faixa preta, com nuvens de tempestade.
"Desculpa? Senhorita?"
O som de uma voz masculina faz com que o Blaze e eu viremos as nossas cabeças.
Um homem está sentado na calçada com uma camiseta descolorida e jeans rasgados. Sua mão está estendida e na frente dele há uma tigela de plástico com moedas.
Abro a boca para responder a ele quando o Blaze dá um tapinha nas minhas costas, puxando o meu braço para que eu fique na frente.
Junto as minhas sobrancelhas e ele enfia na boca um Doritos. "Ignora".
Minha testa se enruga. "Parece que ele precisa de ajuda."
"E isso é problema nosso?" Ele levanta uma sobrancelha e eu o encaro, chocada. Que maldade.
Eu me afasto e me dirijo ao estranho, e o Blaze aperta os olhos, guiando seu tronco na minha direção.
"Oi." Eu sorrio. "Você tava me chamando."
O homem tem um odor corporal forte e seu rosto está manchado de sujeira e graxa. Quando ele abre a boca, percebo que seu hálito também cheira mal.
"Você poderia me dar um dólar, por favor? Ou qualquer coisa tá bom, não tenho nada pra comer no jantar."
Meu coração se enche de compaixão e eu tiro moedas do bolso, sem hesitar. Coloco algumas moedas em sua mão calejada enquanto ele acena com a cabeça.
Esse homem poderia ser o meu pai, então eu nunca faria vista grossa.
"Deus te abençoe." Ele sorri, mostrando dentes podres e amarelos. Eu retribuo com um sorriso gentil, mas um assobio alto vindo do meu lado faz com que ele desapareça rapidamente quando olho em volta e vejo o Blaze indo em direção ao seu carro.
Ele parece extremamente irritado, e seu comportamento me surpreende. O que eu fiz de errado?
Coloco a palma da mão sobre a cabeça e corro em direção ao seu veículo, puxando rapidamente a porta e entrando. Tiro a água das minhas roupas enquanto olho para ele. Sua expressão é severa e sem sorrisos, e eu me encolho no assento.
"Você tá bem?"
"Aquele homem tá perfeitamente bem, ele poderia trabalhar pra ganhar dinheiro, então não entendo por que você acabou de dar ao seu dinheiro pra ele", ele começa a falar, voltando o olhar para mim.
Noto que as suas pupilas estão escuras e que ele parece muito diferente do cara que me trouxe aqui há trinta minutos.
"Isso se chama solidariedade", respondo.
"Ou estupidez. Ele tem duas pernas, assim como nós. Todos estão tentando encontrar o seu caminho na vida, ele deveria se levantar e tentar também. Não é justo que ele pegue o dinheiro suado de outras pessoas."
Baixo o meu olhar para a sacola plástica no meu colo. Ele tem razão, mas não há perigo em dar umas moedas. Não vou me desculpar por ter um coração mole; sinto que o Blaze simplesmente não tem compaixão.
Ele suspira quando percebe que não vou responder. "Esquece." Ele balança a cabeça e olha pela janela.
"Não, eu entendo o que você quer dizer", digo rapidamente, querendo encerrar essa conversa o mais rápido possível. "Você tem razão."
Ele olha para mim, parecendo um pouco atônito por eu ter concordado. Fico olhando para ele e depois fixo o meu olhar à frente, desejando poder me teletransportar de volta para a faculdade neste exato momento. Ele está muito estranho.
O carro agora está silencioso e as gotas de chuva estão mais leves. Fico olhando para o vidro manchado, mordendo a parte interna da bochecha.
"Você confia em mim?", ele pergunta, de repente.
Eu olho para ele, tentando localizar seus olhos entre os fios de cabelo molhados. Considerando o que todos dizem sobre ele, não tenho certeza se confio nele. Além disso, é um pouco cedo demais para baixar a guarda.
Eu o conheci recentemente e, para ser sincera, ainda não sei muito sobre ele. Exceto que ele é artista e ouve Kodaline, e isso não é tanta informação assim...
Engolindo em seco, abaixo o meu olhar para os meus dedos. "Eu não sei..."
Ele apoia a palma da mão na parte superior do meu assento enquanto se inclina ligeiramente. Olho para ele, e ele estuda o meu rosto, enquanto o ar se transforma em uma tensão estranha.
"Então, por que você veio comigo?", ele sussurra, e meu corpo fica gelado.
Seu olhar está focado nos meus lábios, e eu os aperto conscientemente, fazendo com que ele levante os olhos para os meus.
"Você insistiu."
Ele sorri com a minha resposta e inclina a cabeça para o lado. "Sim... mas você também poderia ter insistido em não vir."
Sua voz é tão baixa que mal consigo ouvi-lo, mas não posso dizer que ele não está certo. Eu poderia ter me mantido firme e não ter aceitado a carona, mas ele sabe como é difícil dizer não a alguém como ele.
"Então, você confia em mim", ele conclui. "Porque você tá aqui... comigo... num carro fechado..."
Engulo em seco. Ele está fazendo de novo. Aquele tom baixo e assustador.
"Você tem coragem, Harmony. Por ainda estar aqui comigo, apesar do número incontável de avisos que tem recebido das pessoas."
Sim, não sei o que está rolando comigo. Talvez eu seja estúpida?
Seu olhar é tão intenso que preciso desviar por um momento. Observo as gotas de chuva caindo pela janela, e uma coisa tão natural nunca me pareceu tão ameaçadora enquanto ele continua a falar.
"Você não deve confiar nas pessoas tão facilmente, Skye. Eu poderia ser um assassino em série, um estuprador, um psicopata... ou um sociopata."
Olho para ele com os olhos arregalados e ele dá uma risadinha leve. "Só tô dizendo que eu poderia ser... não que eu sou."
Ok, as piadas dele não são "piadas". Acho que devo voltar para a faculdade agora.
Ele morde o lábio inferior e suspira. "Se eu fosse um assassino em série, não te mataria, você nunca fez nada pra me ofender... até agora."
Até agora?
"Você mataria alguém se essa pessoa te ofendesse?" Pergunto suavemente, e suas sobrancelhas se franzem enquanto ele dá de ombros.
"Sim. Com certeza absoluta."
Ele diz isso como se fosse óbvio. Como se fosse fácil tirar a vida de outra pessoa.
Pisco e desvio o olhar, me sentindo burra por estar aqui sozinha com ele.
Ele inclina a cabeça contra o encosto, olhando para a minha expressão incomodada. "Você vai fugir de mim? Agora que eu te disse isso?"
Eu corrijo o meu rosto. "Não", eu suspiro. "Você não parece ser um cara mau." Olho para ele, e sua expressão muda para uma cara esquisita que não consigo explicar.
Ele se senta com tudo, virando o rosto para a frente enquanto bate com o dedo no encosto de cabeça. Meus olhos se desviam para a ação sinistra.
"Eu não teria tanta certeza disso, olhos verdes", ele murmura.
Eu estreito os meus olhos. "Como assim?"
Ele solta um suspiro. "Nada, não é importante. Pra onde você quer ir, de volta pro seu quarto?" Ele se vira confortavelmente em seu assento e eu aceno com a cabeça em silêncio, minha mente ainda está fixa no que ele acabou de dizer.
De repente, ele se aproxima de mim, e eu me afasto por reflexo.
Ele ri, balançando a cabeça. "É só pra colocar o cinto de segurança. Não tô tentando trepar com você."
Todos em Homewood falam assim?
Seu palavreado me deixa perplexa, e ele se diverte com a minha reação. "Desculpa, eu quis dizer sexo. Não estou tentando fazer sexo com você."
Ele puxa o cinto de segurança e se afasta. Eu me agarro com desconforto enquanto olho para ele. "Você tem aula daqui a pouco?"
"Não. Tipo, sim, mas não tô com vontade de ir..." Ele liga o motor. "Você tem?"
Eu aceno com a cabeça. "Sim, tenho matemática às 14h."
"Ok, bom, eu te levo de volta em segurança antes das 14h."
Eu sorrio um pouco quando ele pisa no acelerador, saindo do estacionamento cheio.
"Fica longe dele."
Ouço as palavras novamente, mais altas do que nunca, mas decido ignorá-las até estar de volta a Homewood. Só até eu voltar para a faculdade, eu prometo.
Música de encerramento: "Deeper Conversation", de Yuna