
A umidade do teto caía no chão, ecoando nas paredes escuras da masmorra. O cheiro era quase insuportável, um lembrete de minhas circunstâncias atuais.
As lágrimas escorreram pelo meu rosto e se juntaram à umidade fedorenta no chão. Até que combinava. Tudo o que eu sabia antes de hoje estava de ponta cabeça.
Ser uma loba significava ser livre, selvagem e fazer o que era do melhor interesse de sua matilha. Isso não era o melhor negócio para ninguém, exceto para o rei monstro que me mantinha aqui.
A resposta escapou enquanto outros medos enchiam a minha mente. Eu queria que alguém me notasse e me tirasse dessa situação.
É pedir demais que os meus desejos se tornem realidade?
Minha família devia estar preocupada. A filha do alfa ser levada no meio da noite não era um bom sinal para os outros membros da matilha, mesmo o meu sequestrador sendo o Rei Lobisomem.
Sean sem dúvida estava chateado, a sua irmã mais nova foi levada e ele foi incapaz de fazer qualquer coisa. Ele procuraria pelo meu cheiro em qualquer lugar que fosse.
Mas isso os traria até aqui? Fazia alguma diferença, agora que o rei me tornou prisioneira?
Estremeci na masmorra fria, permitindo que as paredes me envolvessem em seu abraço frio. Era melhor do que estar perto do monstro.
Quando a memória de cavalgar em suas costas veio na minha cabeça, ao mesmo tempo um calor ardente cresceu lentamente no meu corpo. Confesso. Havia algo mais do que apenas calor.
Eu podia ouvir nós dois nos beijando.
Eu podia ver as nossas línguas se entrelaçando.
Eu me revoltei com a ideia de querer alguma coisa com ele.
As lágrimas começaram a cair novamente, mais rápido e com mais força. Eu encheria essa masmorra com minhas lágrimas e flutuaria até o topo, para fora do castelo, e o riacho me levaria para casa.
Mas, e se essa fosse minha casa?
Fechei os olhos, sentindo mais lágrimas aquecerem as minhas bochechas. A escuridão era o meu consolo, agora. E eu deixei isso me levar para um sono profundo.
Os sons de gotejamento quase abafaram os passos que se aproximavam.
O instinto me tirou do sono e me fez assumir uma posição sentada.
Enxuguei as lágrimas, mas elas não estavam mais lá.
As minhas bochechas estavam secas e esfoladas, provavelmente estavam vermelhas.
Uma figura apareceu, carregando o que parecia ser uma lanterna.
A luz era amarelada e suave, mas os meus olhos não conseguiam se ajustar com rapidez suficiente à nova sensação. Eu protegi a luz com a minha mão e olhei novamente.
Ele era menor do que o rei, mas pelo corpo eu sabia que era um homem.
Eu ainda tentaria lutar? Para quê?
Ele me observou como eu o observei, mas não se aproximou.
"Annabelle," disse uma voz. Foi como um trovão na pequena masmorra, mas gentil e curioso. "Eu trouxe algumas coisas."
A lanterna foi levantada mais alto e meus olhos se ajustaram. Agora eu pude ver o seu rosto.
Era o Xavier! E na outra mão, ele segurava alguns cobertores dobrados.
"Você está bem?" ele perguntou.
"Eu pareço bem? O chão de pedra dá um toque medieval agradável, mas tenho certeza que os cobertores vão ajudar. "
Xavier riu. Ele era caloroso e simpático. Eu queria deixar aquela risada se fechar ao meu redor para me dar forças.
"Eu não quero rir."
"Então me diga o que está acontecendo. Pela Deusa da Lua, eu exijo saber!" Meus gritos ecoaram pelas paredes, com os fantasmas da minha raiva girando ao nosso redor.
Eu pude ver um sorriso em seu rosto. Se não fosse pela tristeza em seus olhos agora visíveis, eu teria gritado novamente.
"Ele está preocupado que você não seja um lobisomem."
Agora foi a minha vez de rir.
"Você exige que eu deixe a minha mochila e vá com você, me joga em um porão e, em seguida, se recusa a acreditar que eu sou capaz de me transformar?"
Fechei meus olhos e tentei me transformar.
A escuridão úmida parecia esfriar todos os meus instintos, jogando a minha força de vontade contra mim. Eu só conseguia olhar para ele, impotente.
O que ele pensaria de mim? Este homem lindo e gentil observando um membro tão fraco da espécie, incapaz de fazer o que era natural.
"Nós sabemos que você pode se transformar. Mas existem outros seres que possuem tais poderes. Como as bruxas."
Ele estava me zombando! A risada borbulhou por dentro, saindo pela minha garganta.
"Obrigada. Foi bom finalmente rir. Pensando bem, esta masmorra até parece um pouco aconchegante. "
"Keith está fora de si. Ele está convencido de que, se o Lorde Demônio está atrás de você, deve haver mais coisas em você do que aparenta."
Eu olhei para ele novamente.
"Obrigada. Isso é um verdadeiro elogio para o meu ego."
A expressão em meu rosto mudou, tornando-se gentil e suave. Eu esperava que ele pudesse ver. Se ao menos o monstro que chamavam de Rei fosse mais parecido com o Xavier.
"E você? O que você acha?" Eu perguntei.
Xavier andou de um lado para o outro, se sentindo desconfortável.
"Não cabe a mim decidir."
Claro que não.
"Mas eu não teria ficado aqui com você por tanto tempo se achasse que você é mesmo um perigo para nós. Eu realmente sinto muito por tudo o que você está passando. Rezo para que a Deusa da Lua nos mostre o caminho certo. "
Eu balancei a cabeça e acenei para ele. Foi um gesto de desprezo para a única alma gentil que eu conhecia, mas foi tudo que pude fazer naquele momento.
"Em breve te trarão comida."
"Eu não quero."
Eu era uma péssima mentirosa. A ideia de trazerem comida parecia incrível. Meu estômago confirmou esses pensamentos com um ronco alto que Xavier certamente ouviu.
"Mas você não comeu o dia todo", ele retrucou.
"E eu não vou. Agora me deixe em paz. Eu preciso de um pouco de paz e sossego. "
A dor em seu rosto deixou claro que eu havia ferido seus sentimentos.
"Muito bem. Mas eu juro, você não tem nada a temer. Nós queremos saber o que está acontecendo tanto quanto você. "
Eu só queria me afastar dele.
"Eu te entendo. Eu prometo a você isso... Vou fazer o meu melhor para tentar colocar um pouco de bom senso na cabeça dele. Mas há uma razão pela qual ele tem sido o Rei Lobisomem por tanto tempo. Você deve se lembrar disso também."
Eu realmente tinha um aliado aqui?
Queria voltar ao passado e mudar tudo o que havia dito a ele.
Quando me virei, ele havia sumido. Os seus passos desapareceram escada acima, afastando-se cada vez mais até que eu ouvi o barulho da porta fechando. Uma fechadura deslizou, garantindo que eu continuasse presa.
Com a quantidade de cobertores que Xavier me deu, consegui fazer uma camada para deitar, uma para cobrir o corpo e um travesseiro para descansar a cabeça.
Diminuí a luz da lanterna para um ponto mais baixo, para garantir que duraria. As sombras cresceram pelas paredes, me forçando a lembrar o pesadelo em que agora me encontrava.
Parecia impossível dormir. Tantas coisas aconteceram, não parecia real. O decreto de que eu deveria me acasalar com o Lorde Demônio, o ataque aos lobisomens e a vitória deles. E ver o Keith beijando ela!
Meu sangue começou a ferver, então fechei os olhos com força. Pequenos pontos de luz cintilaram na minha visão escurecida, como estrelas de brilho nesta masmorra escura.
Eu não achava que ia conseguir pegar no sono. Recusei-me a pensar que encontraria calma nessa turbulência.
Acordei no meio da noite. Novas sombras encontraram o seu caminho pelas paredes da masmorra, mudando em diferentes formas com cada piscar de meus olhos, ainda se ajustando.
Acendi a luz da lanterna e olhei em volta. Nada.
O sono puxou minhas pálpebras para baixo, quase me levando de volta ao mundo dos sonhos.
Então, eu ouvi outra coisa ...
As dobradiças de uma porta se abrindo.
"Quem está aí?" Eu gritei, a minha voz mostrando mais pânico do que eu pretendia. Não recebi resposta, peguei a lanterna e fui em direção à escada.
As pedras estavam frias sob meus pés enquanto eu subia cada degrau, um por um. Segui o caminho em espiral até que mais luz chamou minha atenção. O que vi no topo era surreal demais para acreditar.
A porta estava aberta!
Isso é uma armadilha? Eu não sabia e não pretendia descobrir. Mas uma voz profunda e ressonante chamou o meu nome e garantiu que eu não descesse. Ainda não.
Eu odiava esse nome e balancei a minha cabeça. Eu queria voltar para baixo e me enrolar no calor dos meus cobertores. Mas os meus pés tinham vida própria.
Com apenas mais alguns passos, eu estava passando pela porta! Longos corredores iluminados por lanternas nas paredes pareciam ser imensos, sem fim.
O meu corpo virou involuntariamente, puxado pelos sons suaves da voz.
Logo, uma grande porta apareceu na minha frente. Uma porta de madeira maciça, com entalhes ornamentais.
Uma energia que nunca senti antes puxou a minha mão para frente. Como um ímã atraindo ferro, eu não tinha opção a não ser me deixar levar por essa força invisível. Parecia ser o meu destino.
A sala do trono era vasta e vazia. O verdadeiro sonho de um minimalista: nada além de lanternas emanando uma luz cansada que caía sobre faixas de cor vermelha.
No meio havia um grande trono feito de madeira escura.
Mais uma vez, eu mal pude acreditar nos meus olhos. Alguém estava sentado no trono!
Um fogo invadiu o meu corpo mais uma vez. Mas não era o mesmo de antes. Desta vez, parecia diferente.
Meus pés me levaram para mais perto. Era tarde demais para voltar agora, embora eu soubesse por que não parecia o mesmo fogo.
Sentado no trono não estava Keith, o Rei dos Lobisomens.
Alguém cuja energia era mais escura, mais feroz. Esta pessoa não fazia parte de nenhuma matilha.
Ele olhou para mim e meu sangue congelou - o mesmo sangue que estava queimando momentos antes.
O Lorde Demônio estava olhando para mim com um grande sorriso no rosto.
"Lá está ela. Meu amor. Minha Annabelle. "
Tentei gritar, mas o seu sorriso maligno sugou o ar dos meus pulmões.
A lanterna caiu das minhas mãos.
Assim que atingiu o chão, as chamas explodiram.
As chamas cercaram o trono e o Lorde Demônio, dando-lhe poderes repentinos que alimentaram o fogo, atirando-o em direção ao teto.
Senti a minha pele ferver e o meu corpo aterrissou com um baque ao pé do trono.