
"Mas, Raga, por quê?" A mãe delas parecia angustiada.
"Não posso desobedecer a ordens. Eles me querem de volta na fronteira. Estão enviando todas as Valquírias. Mas, por favor, não se preocupem, é só uma precaução. Só isso. Todos sabem que as Valquírias são as mulheres mais duronas do planeta. Quando aqueles vira-latas Vargar nos virem voando, vão enfiar o rabo entre as pernas e fugir para as montanhas!" Raga colocou uma mão sobre o punho fechado da mãe.
"Então é verdade o que dizem por aí. Há mais feras chegando." Ela declarou.
"Como eu disse, não se preocupem comigo. Já lidei com esses vira-latas em muitas estações. Não vai ser diferente agora."
Freya viu sua mãe relaxar um pouco enquanto Raga a acalmava. O pai colocou uma mão no ombro de sua companheira e gentilmente acariciou as penas macias que desciam por sua nuca.
Ela se inclinou para o pai com um olhar desamparado nos olhos. Se dependesse dela, Raga nunca teria se alistado. Freya imaginou que a maioria dos pais não queria isso, embora entendessem a necessidade. Alguém tinha que proteger o povo deles. O pai delas, um ex-soldado, sabia melhor do que ninguém que garantir a segurança da fronteira era essencial.
"Tem mais uma coisa," disse Raga. "Não vou ficar muito tempo. Estou indo embora depois de amanhã."
O pai das meninas assentiu solenemente.
Os olhos da mãe brilharam com lágrimas presas, e ela desviou o olhar como se quisesse se esconder. "Está tarde, e esse vinho me deixou exausta. Vou me recolher." Ela se levantou e, depois de beijar cada uma das filhas na cabeça, foi em direção ao quarto dela e do pai.
Lonan suspirou na direção de sua esposa antes de se virar para suas filhas. Seus olhos gentis e seu sorriso ajudaram a aliviar um pouco a tensão das notícias de Raga.
Freya sabia que sua irmã estava certa em contar a eles hoje à noite e não amanhã antes de partir. De certa forma, saber a verdade antes aliviaria a mágoa da mãe.
"Podemos passar o dia juntos amanhã. Gwylan adoraria a ajuda das filhas para terminar de tricotar a colcha que encomendaram. Ela está recebendo muitos pedidos, agora que as noites estão ficando mais frias."
"Claro! Vamos ajudar," Freya disse, olhando para sua irmã, que também concordou.
Com isso, o pai delas também foi dormir.
"Me ajuda a limpar a bagunça?" Raga gesticulou para os pratos na mesa.
"Claro que não! Eu limpo a mesa toda noite que você sai. É a sua vez," Freya brincou, empurrando as tigelas para Raga.
"Nossa, que ingrata! Eu passo luas protegendo essa família e não posso nem ter uma folga em casa?" Raga mergulhou os dedos nos últimos restos de sopa de uma tigela e os arremessou no rosto de Freya.
"Ei, pare! Eu já me lavei hoje!"
Raga espalhou caldo frio no rosto da irmã mais nova, segurando-a com um braço em volta dos ombros. Risadas barulhentas encheram a sala de jantar.
"Acho que você pode me ajudar agora. Você está tão suja quanto os pratos!"
Freya bufou. E resolveu entrar na brincadeira.
Ela enfiou os dedos na mesma tigela, agora na beirada da mesa. Com um golpe, espalhou restos de sopa na testa de Raga.
Asas com pontas vermelhas preencheram a sala quando Raga se inclinou para trás. Ela não esperava que Freya revidasse. "Eu nunca deveria subestimar você, irmã." Ela começou a rir.
Freya riu de sua vitória. Juntas, elas começaram a tirar os pratos da mesa e os restos do jantar de seus rostos.
De volta ao quarto, Raga abriu as persianas da janela entre as camas. Um vento frio soprava, trazendo o aroma fresco das árvores lá fora. O cheiro no ar prenunciava as chuvas de outono que viriam. Mesmo através da folhagem espessa das copas das árvores, Freya conseguia ver a luz das estrelas mais brilhantes da noite.
Freya e Raga sentaram-se ombro a ombro sob a janela, ouvindo o assobio do vento e o pio das corujas.
"Acho que estou apaixonada, Freya." Raga sussurrou para sua irmã. "Não conte para a mamãe e o papai ainda." Ela apertou a mão de Freya.
"O quê? Você está apaixonada?" Freya precisava saber de tudo. "Por quem?" Ela estava, ao mesmo tempo, com inveja e animada por sua irmã. Ela não sabia se um dia se apaixonaria por alguém. Quem iria querer alguém como ela, uma criatura incapaz de voar?
Mas ela poderia pelo menos aprender o que era o amor, se Raga lhe contasse.
"Quem?" Freya implorou. "Você tem que me dizer."
"Minha comandante, Alvyna. Quero trazê-la para conhecer todos depois desta próxima missão." Um sorriso iluminou o rosto de Raga.
"Quero saber tudo sobre ela! Como você sabe que é amor?" Essa comandante deve ser incrível para chamar a atenção de Raga.
"Ela é terrivelmente feroz. Não há outra Valquíria como ela. Ela é a comandante mais jovem, e é tão boa. Acaba com qualquer um em batalha. Tenho certeza de que ela me deixou vencer quando estávamos lutando. Acho que ela também gosta de mim. Acho que nós duas estamos sentindo algo." Raga tinha um olhar distante, como se estivesse com a mente longe.
"Qual é a sensação de estar perto dela?" Freya perguntou.
"Alvyna é forte e, ao mesmo tempo, delicada. É tão bom quando ela pinta minhas asas com tinta fresca. E ela é tão gentil quando me ajuda a alisar minhas penas à noite. Ela é amarela como um canário e, quando voa, parece ser feita de luz do sol." Havia um tom melancólico na voz de Raga enquanto ela falava da mulher que havia capturado sua atenção.
Freya podia sentir o batimento cardíaco de Raga aumentar ao pensar em sua companheira guerreira. Sua irmã estava tão feliz. Aliviou um pouco a preocupação de Freya saber que havia alguém lá fora que cuidaria de Raga.
"Estou feliz por você. Ela parece incrível, e mal posso esperar para conhecê-la. Sei que ela vai se encaixar bem na nossa família." Freya tentou não deixar transparecer o quanto estava com ciúmes, ou como essa novidade a fez se preocupar que ela nunca encontraria alguém. Quem se interessaria por ela, afinal?
As irmãs se abraçaram e foram cada uma para suas camas. Elas estavam aninhadas e aquecidas em seus cobertores, protegidas do frio noturno que entrava pela janela.
Freya adormeceu pensando em quão grata ela era por sua irmã confiar nela. Ela precisava focar em coisas boas, ou ficaria presa em ciúmes e na sensação de não pertencer.
Freya dormiu mal. Olhos vermelhos a perseguiam em seu sonho, e ela corria o mais rápido que seus pés descalços conseguiam. Por entre as árvores, ela vislumbrou presas brancas brilhantes e olhos vermelhos. Os vira-latas a perseguiam como se ela fosse um coelho indefeso.
Freya choramingou. No sonho, ela tentou fazer suas asas funcionarem, mas não conseguiu. Ela precisava fugir da fera que vinha atrás dela, mas suas asas eram inúteis. Apenas um lembrete do que lhe faltava.
Mesmo em seu sonho, ela não conseguia voar. Então ela correu.
Freya podia sentir as feras se movendo rápido em sua direção. Ela tropeçou, mas se segurou antes de cair.
Uma fera tocou as pontas de suas asas que se arrastavam pelo chão, e ela conseguiu sentir seus dentes. Freya conseguiu pular para longe antes de ser capturada. Depois, ela sentiu uma pata enorme e com garras em suas asas. A fera a rasgaria em pedaços.
O tempo parou.
Ela podia ouvir a respiração ofegante atrás dela e correu em direção a um penhasco. A criatura estava logo atrás.
Freya sentiu a pata dele alcançando seu rosto e não teve escolha a não ser pular.
O tempo acelerou enquanto ela caía. Novamente, ela tentou mover as asas. Se pudesse voar, ou mesmo diminuir a velocidade da queda, ela ficaria bem. Mas as asas nem se moveram. A última coisa que ela sentiu foi a água gelada do rio quando caiu nele.
Freya acordou tremendo e suando frio. Seus cobertores estavam no chão. Ela deve ter se revirado na cama.
Os primeiros raios de luz da manhã brilhavam através da janela aberta. No entanto, mesmo com o sol chegando, ela não conseguia se livrar do frio que se instalara profundamente em seu âmago.
O pesadelo pareceu tão real. A fera que a perseguiu parecia real. Seria um presságio de que algo ruim aconteceria com sua irmã?
Freya pensou no sonho o dia inteiro, por mais que tentasse esquecê-lo.
O pai ficou em casa para passar a manhã com Raga antes de sair para cuidar dos campos com outros Adaryn que viviam nas fronteiras da colônia. Ele prometeu trazer alguma coisa para fazer um super jantar esta noite.
As irmãs almoçaram na varanda com a mãe. A luz do sol se infiltrava pelas copas das árvores, iluminando os outros Adaryn que voavam por ali. Freya tentou não sentir inveja. O voo deles parecia tão natural e feliz.
Depois do pesadelo que teve, ela se sentiu tão distante do resto do seu povo. Ela era a única que não podia voar. Ela se sentia quebrada e estava preocupada com a segurança da irmã.
Naquela noite, Raga arranjou tempo para escovar e trançar o cabelo de Freya. Os longos cachos quase brancos caíam por suas costas e sobre as penas felpudas que cobriam o comprimento de sua coluna. Seu cabelo era muito mais longo do que os cachos curtos e ondulados que emolduravam o rosto orgulhoso de Raga. Desde que eram filhotes, Raga fazia questão de trançar o cabelo de Freya todas as noites e ajudar a manter suas penas limpas e escovadas.
Agora Raga tinha Alvyna para ajudá-la, e Freya tinha que se virar sozinha.
Mas, hoje, Freya poderia retribuir o favor trançando o cabelo de Raga em uma coroa no topo de sua cabeça. Ela desejou ter flores para prender ali como fazia quando eram pequenas.
"Não se preocupe, irmãzinha. Voltarei para casa assim que a situação na fronteira estiver resolvida." Raga gentilmente empurrou Freya para sua cama antes de subir na sua.
Na manhã seguinte, quando Freya acordou, sua irmã e sua armadura tinham sumido. Raga partiu antes do sol nascer, voando de volta para guardar o território dos Adaryn com o resto das Valquírias.
Freya se enrolou na cama sob a luz que antecede o amanhecer e tentou não se preocupar. Ela tinha sonhado com as feras novamente, só que, dessa vez, elas estavam perseguindo sua irmã.