
DOIS DIAS DEPOIS
O meu despertador toca às seis da manhã, desligo ele com um tapa e fico ali deitada, olhando para a parede de vidro do outro lado do meu luxuoso quarto e para a floresta lá fora.
De acordo com o Beta Marcus, o grande alfa acha que se eu treinar pode ajudar a trazer o meu lobo à tona.
É bem improvável, mas ei, pelo menos é mais uma oportunidade de passar vergonha!
Saio da cama e vou para o banheiro. Tiro a roupa e amarro o cabelo antes de ligar o chuveiro e então vou até o espelho.
Não costumo me olhar muito porque, bem, não sou muito fã de olhar muito de perto para o meu rosto pálido e para a minha cicatriz feia.
Mas a ideia de treinar me obriga a julgar o meu corpo magricelo com mais severidade do que o normal. Os meus braços são um pouco mais grossos que gravetos e sinto que consigo ver cada osso do meu corpo.
Sou um esqueleto ambulante.
As lobas sempre têm uma aparência incrível, são curvilíneas e saudáveis, mesmo antes de se transformarem.
Mas quando elas estão na forma de lobo, é como se subissem de nível no departamento da beleza. Elas se tornam ainda mais deslumbrantes do que antes, com uma presença forte e majestosa.
Entro no chuveiro, pensando em como acabei nesse lugar.
O Keith recebeu a notícia de que eu estava indo embora pior do que a Lana ou o Richard. Não posso dizer que fiquei surpresa. Mesmo que tivessem lágrimas nos olhos, os meus pais adotivos sempre foram fortes.
Mas o meu amigo e irmão estava sendo deixado para trás, forçado a assistir enquanto eu era levada por um homem que parece não sentir nenhuma afeição por mim.
Infelizmente, a nossa despedida foi interrompida. Quando o Keith disse um pouco alto demais que eu deveria rejeitar o meu companheiro, o grande alfa invadiu a casa e jogou o Keith no chão.
Concordei em partir imediatamente se ele poupasse a vida do Keith.
E assim, com um último adeus da Lana, a promessa de um telefonema do meu tio e um aviso do Alfa Black para não envergonhar a matilha, o Beta Marcus me conduziu para dentro do carro.
Depois do que pareceu uma eternidade, paramos em frente à maior e mais bonita cabana que já vi. Infelizmente, uma multidão estava reunida para comemorar o retorno do alfa.
Abaixei o capuz para esconder o rosto, mas nem precisava me preocupar; o grande alfa mal mencionou a minha presença para a sua matilha antes de me levar para dentro.
Pelo menos a cabana era tão bonita por dentro quanto por fora. Fiquei encantada ao encontrar uma estante cheia de livros e um piano de cauda na sala de jantar.
Eu sabia que precisaria disso quando o grande alfa saiu o mais rápido possível, deixando o Marcus para me levar ao meu quarto.
Desligo o chuveiro enquanto penso na Lana. Costumávamos nos sentar e tocar piano juntas, geralmente cantando uma música que a minha mãe me ensinou há muito tempo.
Depois de vestir uma legging preta de ginástica, uma camiseta preta e um moletom preto, vou até a escada, e paro no topo dela ao ouvir vozes.
"Você pelo menos falou com ela?" Marcus diz.
"Que merda devo falar com ela? É uma criança." Zane parece frustrado.
"Nós dois sabemos que ela é tudo menos uma criança."
"Ela tem dezessete anos, então legalmente é uma criança."
"Você fala com ela como qualquer outra pessoa, Alfa?"
Ouço um grunhido, que presumo ser o Zane concordando.
"Você sabe como os pais dela morreram, né?"
"Onde você quer chegar?"
"O que quero dizer é que nós dois sabemos como é perder os pais do jeito que ela perdeu. Quais são as consequências."
"Isso não muda nada."
Marcus solta um gemido de frustração. "Não me faça ir falar com a Annie."
Zane ri. "Eu a mandei embora assim que descobri sobre a Kara."
"Ah, então você sabe o nome dela."
Alguma coisa bate em uma superfície. "Tenho que ir treinar. Você não tem trabalho a fazer?"
"Sim," Marcus responde, "e o meu trabalho deve estar aqui embaixo a qualquer minuto."
"Pelo amor de Deus. Você me distraiu." Uma porta bate logo depois.
Uma mistura de animação e incerteza me atinge de uma só vez.
Respiro fundo e desço as escadas até a cozinha.
O Marcus está sentado na ilha, tomando uma xícara de café. "Bom dia, Luna. Coma alguma coisa e já vamos começar."
Nos aproximamos de um homem parado perto de um ringue; dois garotos estão lutando dentro dele. Observamos atentamente enquanto os meninos trocam golpes e o homem grita instruções para eles.
Depois de alguns minutos, um dos meninos consegue imobilizar o outro por dez segundos.
"Jace vence essa rodada," diz o homem. "Dez minutos de pausa."
Ele se vira, aparentemente tendo percebido a nossa chegada, e fico surpresa ao ver que ele não parece tão velho quanto eu esperava por causa dos seus cabelos grisalhos. Ele deve ter trinta e poucos anos.
Ele é alto, bem definido e tem uma tatuagem elaborada no braço. "Beta."
"Dean."
Dean se aproxima e aperta a mão estendida do Marcus.
Marcus olha para mim. "Essa é a Kara. Ela está se juntando à nossa matilha e quero que você a treine."
Dean cruza os braços e levanta uma sobrancelha. "Com todo o respeito, Beta, eu não treino iniciantes."
O Marcus estreita os olhos em um olhar intenso. "São ordens do seu alfa. E mesmo que não fossem, você ousaria questionar o seu beta?"
Dean respira fundo e inclina a cabeça. "Claro que não, Beta. Vai ser um prazer treiná-la."
Marcus parece satisfeito. "Determine as capacidades dela primeiro e depois a treine como achar melhor."
Dean acena com a cabeça e depois se vira para mim. "Não sinto cheiro de lobo em você. Você já se transformou?"
Balanço a cabeça. "Não, senhor."
"Bem, vamos fazer você lutar, pelo menos. Vamos ver do que você é capaz."
Sigo o Dean enquanto o Marcus caminha ao meu lado. Paramos diante de um grupo de pessoas reunidas em torno de um ringue onde duas meninas já estão lutando.
Eu sussurro para o Marcus, "Qual é o problema dele?"
"Nenhum," Marcus sussurra de volta, "o Dean só tem problemas de confiança. Ele não confia em ninguém que não seja da nossa matilha. Algum trauma do passado."
"Tudo bem, pessoal," Dean grita, "temos sangue novo hoje! David, você primeiro." Dean caminha até o garoto chamado David, sussurra alguma coisa em seu ouvido e depois se vira para mim. "Pode ir."
O David já sem camisa alonga os músculos enquanto entro no círculo. Os meus joelhos estão fracos.
Fico na frente do David e ele fica em uma espécie de postura de combate. Olho para o Marcus, sem saber o que fazer.
"Prontos?" Dean grita. "Vai!"
O garoto se lança sobre mim.
Sou pequena, mas rápida, então esperava que eu conseguisse me esquivar de quaisquer socos ou chutes que ele lançasse na minha direção. Mas esse cara tem outro nível de agilidade.
Tento o meu melhor para evitar os seus ataques, mas ele fica cada vez mais rápido.
Não! Na verdade, parece que me perseguir está deixando ele com mais adrenalina.
Finalmente, ele acerta um golpe no meu plexo solar e eu caio no chão. Antes que eu consiga respirar, ele dá um chute nas minhas costelas e ouço um estalo.
Gemo de dor enquanto tento ficar de pé, com a onda aguda e agonizante no meu peito fazendo com que pareça quase impossível.
Com pura determinação, consigo ficar de joelhos, tentando recuperar o fôlego.
Olho e vejo que o Zane se aproximou e está parado logo na borda do círculo, observando a partida com atenção. Em uma fração de segundo, posso jurar que vejo um lampejo de preocupação genuína nos seus olhos.
Outro golpe forte atinge o meu rosto, enviando ondas de dor por todo o meu corpo.
A luta entre Kara e David é intensa desde o primeiro momento. No começo, a Kara se mantém firme, se esquivando e se defendendo de todos os ataques do David.
Mas a inexperiência da Kara fica evidente e ela não é páreo para a velocidade e preparação do David.
Ele dá um soco forte no estômago da Kara, que cai no chão. O meu instinto imediato é correr em direção a ela e matar o David por machucar a minha companheira, mas resisto.
Continuo dizendo para mim mesmo que não posso sentir nada, que ela se machucar não significa nada para mim. Na verdade, o desempenho dela é mais um motivo para rejeitá-la.
Repito isso na minha cabeça mas, no fundo, sei que não é tão simples. Ver ela se machucar é na verdade doloroso para mim. Mais do que tudo que já vivi.
Mordo o interior da minha bochecha, escolhendo não demonstrar qualquer preocupação.
Ela se abaixa e fixa os olhos nos meus. Os seus olhos cinzas estão cheios de saudade e dor. Dor por ter sido rejeitada.
Foi doloroso fazer isso, não apenas para ela, mas para mim também. Cada palavra parecia uma adaga no meu coração, perfurando ele várias e várias vezes.
Mas tinha que ser feito; eu tive que ser forte e esconder a dor dentro de mim. É um segredo que vou carregar para sempre, mas é para o bem da matilha.
O David se aproxima dela, com os olhos cheios de malícia. Sem aviso, ele dá um chute forte direto no rosto dela, e uma onda de raiva explode dentro de mim.
Libero o Axiom, permitindo que ele assuma o controle. Com um rugido primitivo, avanço em direção ao David, uma determinação feroz queimando nos meus olhos.
O sorriso vitorioso no rosto dele desaparece rapidamente quando ele percebe o perigo iminente.
David recua, tentando se distanciar de mim, mas é tarde demais: Axiom assumiu o controle.
Com um movimento rápido, eu o agarro pelo pescoço, apertando cada vez mais enquanto levanto ele no ar.
O mundo ao meu redor vira um borrão enquanto vejo a cor sumir do rosto dele e ele lutar sem sucesso contra a minha força esmagadora.
O Dean se aproxima de mim. "Alfa, eles estavam apenas lutando. Ela vai ficar bem."
"Nenhum de vocês ouviu as costelas dela quebrarem?" digo, ainda segurando o garoto no ar. "Ela ainda não se transformou. Ela pode morrer se você deixar ela treinar com quem já tem um lobo!"
Intensifico o aperto no pescoço do garoto, a minha mente está dividida entre sufocá-lo ou quebrar os seus ossos.
Os gritos insistentes do Dean para eu soltar o garoto ecoam nos meus ouvidos, mas não consigo me livrar do desejo de ensinar uma lição a ele.
"Alfa," diz Dean, "eu só estava fazendo o que me foi ordenado. E o garoto só estava fazendo o que eu pedi."
Lentamente solto o pescoço do David, redirecionando a minha raiva para o Dean.
Com o garoto um pouco mais baixo no ar, mas ainda nas minhas mãos, viro a cabeça para encarar o Dean, projetando um olhar de fúria e determinação. "Então, você está dizendo que é você que eu deveria matar?"
Os olhos dele tremem de medo e o seu pomo de adão balança nervosamente. Mas ele se mantém firme. "Eu só estava fazendo o que me foi ordenado."
O Marcus se aproxima. "É apenas um treinamento; acidentes acontecem. Vamos lidar com ele mais tarde, mas precisamos cuidar da Kara agora."
Solto um rosnado baixo para o Dean e depois vou até a Kara. Ela ainda está deitada no chão, imóvel e inconsciente, com o cabelo cobrindo parte do seu rosto.
Com uma mistura de preocupação e curiosidade, estendo a mão e afasto gentilmente as mechas, revelando a cicatriz irregular que marca a sua linda pele.
Alguma coisa muda. O meu desejo por uma luna perfeita desaparece e eu a vejo como ela realmente é: uma alma resiliente e corajosa.
É como se a sua vulnerabilidade e a sua cicatriz apenas realçassem a sua beleza, a tornando ainda mais fascinante.
Eu rapidamente saio do meu torpor e recupero a minha postura. Sem perder mais tempo, pego a Kara nos braços com cuidado e começo a me dirigir à enfermaria.