
"Sabar! Deixe-a entrar!" Uma voz masculina ecoou na floresta. Ela veio do nada e de todos os lugares, tudo de uma vez só.
Meus ouvidos zumbiam e minha cabeça balançava. Eu me esforcei para ficar de pé.
Eu não sabia dizer se aquela voz era de ajuda ou se era de outro algoz.
A porta se abriu com um gemido e um homem alto com cabelo preto e cavanhaque preto entrou pela porta para me encontrar. "Quem é você?"
"Valerie," eu me lembrei mecanicamente, a palavra áspera em minha língua seca.
"Bem, Valerie," ele disse de forma seca. "Você parece como alguém que saiu do inferno."
Presumi que fosse Sabar, já que ele estava, de fato, me deixando entrar.
"Você precisa ir se lavar no riacho." Ele apontou por entre as árvores para onde eu podia ouvir vagamente o lento movimento da água.
Ele tirou a capa e jogou-a para mim.
Eu olhei para ela. Era muito maior do que a que eu tinha.
"Vamos ter que nos livrar disso aqui." Ele acenou com a cabeça em direção ao que eu estava vestindo. "Tem cheiro de sangue. Isso vai atrair lobos por quilômetros."
"O-o que eu faço com isso?" Eu olhei para ele impotente enquanto tirava.
Seu olhar percorreu minha figura, avaliando os danos em minha camisola. Ela estava tão cheia de sangue e lama que nem eu mesma poderia dizer que um dia ela já foi branca.
"Eu vou me livrar disso." Ele estendeu a mão para pegá-la. Quando hesitei, ele insistiu: "Deixe-me encontrar algo limpo para você vestir".
"Oh. Tudo bem." Eu cruzei os braços sobre o peito, tentando cobrir todo o sangue e a camisola que estava grudada em mim.
"Eu devo avisá-la, no entanto. A Lua de Acasalamento chegará em alguns dias, então sugiro que você se cubra bem."
Ele agiu como se eu devesse saber o que isso significava.
Eu não sabia.
Mas eu podia dizer que Sabar era sincero. Hesitante, peguei a capa oferecida por ele e fui para trás de uma árvore. Segurando a capa bem apertada em volta de mim como um cobertor gigante, eu entreguei a ele a camisola destruída.
Ele pegou e apontou para o riacho.
Enquanto me lavava, ouvi o nome de Sabar ser chamado por aquela voz familiar. Eu me levantei, me cobrindo enquanto tentava ver quem estava vindo.
Ouvi o barulho da porta e soube que ele a abriu para o homem enlameado.
"Onde ela está?"
"Lavando-se no riacho," disse Sabar. "Dê a ela algum tempo. Ela está com muito medo."
Quem quer que tenha sido deve ter acenado com a cabeça, porque não ouvi resposta.
Eu me esfreguei rapidamente com uma pedra esponjosa. Removendo os resíduos, vi uma longa camada sobre minha barriga e joguei água sobre ela para revelar o corte profundo que cruzava a minha barriga na diagonal.
Ambos os meus braços estavam manchados de arranhões e hematomas. Eu estava um desastre.
"Ei," disse uma voz baixa.
Me cobri e mergulhei na água.
Fiel à sua palavra, Sabar retornou. Ele ficou de costas para mim e colocou uma perna na água, me oferecendo uma roupa.
Ainda que a peça que ele me ofereceu tenha sido um vestido grosseiramente grande.
"Foi o melhor que consegui com uma das anciãs do acampamento." Ele acenou com a cabeça por entre as árvores na direção da luz brilhante do fogo.
O brilho laranja me atraiu como uma mariposa.
Eu avidamente peguei o vestido.
Ele esperou ao longo da margem, de costas para mim.
Corri para terminar de me lavar e coloquei o vestido e a capa.
Dei a volta para espiar Sabar por baixo da enorme capa. Eu a segurei bem fechada em um esforço para me esconder do mundo.
Embora Sabar parecesse estar olhando para todos os lados, menos para mim.
Eu estava grata. Dolorida e ferida, e machucada de uma forma que jamais poderia curar, eu estava com vergonha de ser vista.
"Passe por entre as árvores," apontou Sabar. "E ao longe, na extremidade do acampamento, há uma velha cabana que pertenceu ao viúvo Tom. Ele faleceu no ano passado. Ninguém mora lá agora. Fique com ela."
Assenti, me agarrando ao tecido que me cobria. "O-obrigada."
"Não me agradeça," disse ele. "Não é minha culpa que você esteja aqui. Você pode muito bem se arrepender de ter chegado até aqui um dia."
Eu olhei para ele. Suas palavras enigmáticas me perturbaram.
"Vá," ele acenou com a cabeça em direção ao acampamento.
O acampamento era um conjunto de construções de madeira dispostas em um círculo torto ao redor de uma fogueira central. Apesar da minha apreensão, fiquei imensamente aliviada quando entrei na cabana tosca na extremidade do acampamento. Na verdade, era mais como um barraco, escassamente mobiliado com uma cadeira, uma mesinha, uma lareira e uma cama caída. Mas também havia um pouco de javali cozinhando no fogo.
Ele estalava no espeto sobre uma pequena fogueira.
Engoli minha fome e olhei em volta, preocupada com a possibilidade de estar me intrometendo.
"Ninguém mora aqui?" Eu gritei para Sabar.
"Ninguém mora aí," ele lançou por cima do ombro.
Eu ajoelhei perto do fogo e arranquei a carne do espeto com tanta pressa que queimei as mãos. Eu rosnei entre os dentes, mas não consegui parar.
O esquilo havia sido o suficiente apenas para aliviar a dor no meu estômago.
Eu enfiei a comida na boca com necessidade, cantando de felicidade enquanto ela atingia a minha língua.
Foi gentil que alguém tivesse se preocupado em garantir que eu teria algo para comer. Eu estava muito grata e exausta demais para questionar quem havia feito isso.
Verifiquei a porta e descobri que ela era resistente, pesada e tinha um ferrolho grosso que a bloqueava de intrusos. Eu precisei lutar para movê-lo, mas eventualmente consegui trancar a porta.
Eu não sabia ao certo do que eu estava fugindo e não tinha certeza de que, quem quer que fosse, não estava aqui.
Esse medo ainda estava profundamente enraizado na minha mente.
As minhas lembranças eram como cacos de um pote quebrado que eu não conseguia encaixar. Deveria estar tudo ali para eu reconstruir.
Na manhã seguinte, abri a porta e encontrei uma trouxa de roupas na minha varanda. Eu a puxei para dentro e desfiz as cordas que a amarravam, muito agradecida. Eu estava comovida com a gentileza deles.
Passei a hora seguinte com a mão na maçaneta da porta, querendo sair e agradecer.
Mas me lembrei do que Sabar me disse sobre a Lua de Acasalamento.
Olhei para um vestido gasto. Ele era apertado demais para eu usar. Tomando minha decisão, comecei a rasgá-lo com determinação em tiras grossas. Comecei a trabalhar amarrando meu corpo, enrolando pedaços em volta dos meus seios e prendendo-os bem. Fiz com que o meu busto ficasse o mais plano possível.
Depois passei para a barriga, envolvendo a cintura com o tecido até conseguir colocar um dos vestidos maiores e parecer mais grossa e disforme na esperança de não chamar a atenção. Puxar a capa por cima do vestido largo ajudaria a obscurecer ainda mais a minha figura. Talvez, dependendo da distância, eu consiga até mesmo esconder que sou mulher.
Fiz uma trança em meu cabelo loiro e o deixei cair pelas costas por baixo da capa. Amarrei outra tira em volta dele para cobrir meu cabelo mesmo por baixo do capuz.
Eu havia passado de estar correndo e fugindo sozinha para estar cercada por lobos que eu não conhecia.
Eu sabia que eles eram o mesmo que eu. Eu podia sentir o cheiro, sentir isso. Eu entendi que éramos todos lobos. Isso era algo escrito em minha alma com tinta irrevogável.
Era como se esse fosse o fio que eu poderia seguir para me lembrar mais, mas toda vez que tentava, a dor pulsava na minha cabeça. E havia um uivo em minha mente. Um som que emergia de dentro de mim, mas não saia da minha garganta.
Eu abri a porta da cabana, ouvindo até ter certeza de que não havia ninguém por perto. Então eu dei uma olhada.
Eu podia ver movimento por todo o acampamento. Mas havia um caminho que partia desta cabana e que seguia pelas traseiras das outras.
Observei por um tempo, até ter certeza de que não havia ninguém.
Então corri para os fundos da primeira cabana. Agachada à sombra dela, eu ouvi as conversas vindas do centro do acampamento.
"Você está sentindo isso?" Um homem disse.
"Oh, estou sentindo o cheiro," concordou outro homem.
"É aquela mulher de ontem," uma voz profunda retumbou.
Um deles respirou fundo. "Ela tem um cheiro incrível."
"Sim," outro disse lentamente. Ouvi um movimento como se ele estivesse se virando. "Ela cheira... perto."
Eu abaixei minha cabeça. Fazendo uma careta, percebi que eles estavam falando de mim.
"O simples cheiro dela está fazendo coisas selvagens comigo," gemeu outro.
"Com todos nós, eu acho," disse outro.
Eu me debrucei na beirada da cabana para vê-los.
Eu esperava ver dois homens, mas havia três, todos de constituição semelhante e cabelos pretos. Dois deles estavam conversando, como eu suspeitava. Outro estava olhando diretamente para mim, suas sobrancelhas abaixadas sobre ferozes olhos verdes enquanto ele encontrava meu olhar.
Meu coração congelou.