Eu posso fugir.
Eu posso correr.
Posso cultivar vegetais e caçar para sobreviver. As fraquezas dos humanos não me limitam mais.
Os lobos podem viver em qualquer lugar, desde que possam caçar e, embora tenhamos uma mentalidade de matilha, já ouvi histórias de lobos solitários que se dão bem sozinhos.
É isso que planejei, ansiei, esperei tanto, e eu sei exatamente para onde estou indo.
Posso finalmente realizar o meu sonho de deixar tudo isso para trás e encontrar a minha paz solitária em algum lugar, o mais longe possível dessas montanhas e dessas pessoas, e nunca mais olhar para trás.
O uivo grupal para assim que relaxo e a minha energia desaparece rapidamente.
Sou dominada por um cansaço que me faz cair e desmaiar de barriga para baixo, suspirando enquanto o meu corpo formiga e faz pequenos tremores.
Olho para baixo a tempo de observar como tudo muda mais rápido do que eu imaginava...
O pelo que me mantinha aquecida some, as patas se transformam em mãos... tudo começa a diminuir e, ao contrário da minha transformação em fera, a reversão não é nada dolorosa.
É rápida, quase instantânea, e antes que eu possa piscar ou mesmo entender o que está acontecendo, sou novamente humana.
Estou manchada de sangue e deitada no chão, o que me dá alguma dignidade para proteger o meu corpo.
Eu tento me enrolar em uma bolinha, consciente de que estou totalmente descoberta e exposta às centenas de olhos ao meu redor.
Eu pulo quando um cobertor é jogado na minha direção pelo Damon, que está próximo, sorrindo enquanto seus olhos devoram o meu corpo nu, e eu recuo.
Estou envergonhada por estar nua na frente de todo mundo, e furiosa porque ele fez de propósito, para que eu tenha que andar dois metros e meio para pegar o cobertor.
Eu olho para ele, me esquecendo da educação por um momento, então desisto da ideia de atacá-lo e me aninho para me cobrir.
Os outros lobos tiveram os seus cobertores jogados diretamente para eles e, olhando em volta, percebo que sou a única que tem que rastejar para pegar o meu, como se eu fosse um animal.
Ele está tentando me humilhar e eu me movo rápido para pegar o cobertor. Chocada quando o menor movimento me faz chegar no cobertor na velocidade da luz, acabo quase aos pés dele em um piscar de olhos.
"Uau," eu deixo escapar em voz alta e sou ridicularizada por alguém próximo quando eles percebem o quão ingênua eu sou sobre a velocidade e o poder que nós herdamos. Essa é outra mudança em mim com a qual preciso me acostumar.
Agarro o cobertor e tento rastejar para trás enquanto o puxo sobre mim e caio de costas.
Isso faz a minha cabeça bater numa pedra e o meu crânio treme dolorosamente.
O Damon ri enquanto olha para mim com completo desdém, e vejo que ele está pisando na ponta do cobertor, para que eu não consiga me cobrir.
Meu rosto está vermelho de calor, consciente de muitas outras risadinhas abafadas às minhas custas, e não consigo esconder a vergonha que toma conta de mim.
Ele está rindo abertamente. Não tenho escolha a não ser tentar puxar o cobertor dele mais uma vez.
Eu sei que os outros estão assistindo; meus sentidos estão aguçados e meu corpo está todo arrepiado.
Posso sentir os olhares em mim e quero afundar no chão e desaparecer. Eu puxo, mas o cobertor se rasga com a pressão, e tenho que parar ou ficarei só com um pedaço que não cobrirá nada.
"Pelo amor de Deus, Damon. Não é a hora e nem o lugar. Meu pai tá olhando pra você. Para com isso," o Colton rosna para ele.
Ele o empurra por trás para que ele solte o cobertor, e se abaixa para pegá-lo.
Ele avança com dois passos confiantes e o entrega direto para mim, curvando-se ligeiramente para ter certeza de que eu pegarei o cobertor sem mais interferências.
Eu sei que ele só está fazendo isso para manter as aparências e exercer o seu domínio na frente do pai dele, além de salvar o Damon de um belo de um castigo mais tarde.
De qualquer forma, estou grata e aliviada por ele ser o próximo alfa, pela primeira vez na vida.
Estendo a mão e pego o cobertor com gratidão, rapidamente puxando-o para perto de mim e escondendo o que está à mostra, com medo de olhar para ele.
Mas por uma fração de segundo a mão dele toca brevemente no meu dedo.
Um clarão quente percorre o meu corpo de forma alarmante, acendendo algo dentro de mim que não consigo identificar, como se eu tivesse sido atingida por uma máquina de choque.
Eu engasgo, olhando para ele enquanto ele tenta se levantar, aparentemente também recuando pelo que talvez tenha sido apenas um choque elétrico. Por um breve milissegundo de surpresa sincronizada, nossos olhares se encontram.
E isso basta.
Nos olhamos e a pior coisa do mundo acontece.
Nós nos conectamos; visões, imagens e projeções fluem pela minha mente a uma velocidade alucinante que frita o meu cérebro, e não consigo desviar o olhar dele.
Estou assustada e em silêncio, presa e incapaz de lutar contra o que está acontecendo.
Meu corpo está rígido e paralisado, sendo controlado por essa força superior enquanto somos atacados com força, e seus olhos escuros, quase pretos, comem a minha alma.
Suas memórias, minhas memórias, seus medos, meus medos. Tudo se torna uma massa confusa de informações crescentes, inundando, invadindo a minha mente e me dominando.
Meu corpo é atingido por uma quantidade esmagadora de emoções em segundos, que poderiam potencialmente levar o meu cérebro à morte.
Meu corpo, coração e alma são puxados para esse flash, que gira completamente o meu mundo e muda tudo instantaneamente.
Nenhum de nós pode fazer nada nesse estado paralisado, a não ser deixar acontecer até que a jornada selvagem de transferir tudo o que somos, tudo o que sabemos e tudo o que sentimos termine e nos deixe em estado de choque com as consequências.
Totalmente paralisada, consciente apenas dos olhos cor de chocolate dele, sou incapaz de me libertar, e do nada sinto como se de repente tivesse encontrado um lar, e ele vai do meu inimigo ao meu salva-vidas em questão de segundos.
Sem fôlego, me recuperando dessa invasão de vida, memórias e história dele se derramando nos meus neurônios, eu finalmente saio do transe e caio para trás.
Então, fico livre e me sinto atordoada.
Sou totalmente incapaz de fazer qualquer tipo de movimento enquanto estou deitada no chão, assustada, em silêncio e tonta pelo que pareceu ser um ataque físico.
"Puta merda!" O Colton grita, parecendo igualmente chocado e sem fôlego.
Eu me esforço e o vejo também no chão, de joelhos, parecendo que alguém lhe deu um soco no estômago.
Ele cai para a frente e coloca as palmas das mãos no chão, com os olhos arregalados, a pele pálida, uma coisa bem incomum para o seu tom de pele geralmente bronzeado.
Parece que alguém contou a pior notícia que ele já ouviu na vida, e ele está se recuperando das consequências. Um silêncio completo nos rodeia. Dá para cortar a tensão no ar com uma faca.
"Eles acabaram de ter um imprint", uma voz guincha ao nosso redor como se fosse alguém anunciando uma sentença de morte.
"Não, isso não pode ter acontecido", diz outra pessoa, e depois outro cara, e outro. Os murmúrios de um ou dois lobos tornam-se muitos, ensurdecedores à medida que todos verbalizam as suas perguntas sobre o que acabaram de ver.
As vozes se misturam e ficam confusas enquanto toco no meu crânio, e eu esfrego a minha cabeça para fazer o meu cérebro funcionar, para tentar descobrir o que aconteceu comigo.
O quê? Eu fiz o quê…? Não. Não pode ser.
Fico estupefata e tento organizar os meus pensamentos.
Não sei por que agora conheço a música favorita dele e sei que ele gosta de café. De repente, não consigo tirar o cheiro forte dele das minhas narinas ou a necessidade de me levantar e abraçá-lo.
Tenho um desejo louco e primitivo de sentar nele e fazer coisas que nunca quis fazer antes.
É como se cada parte da minha alma estivesse subitamente sintonizada com ele, mesmo que ele esteja a poucos metros de distância. Desejos profundos formigam no meu corpo, e tudo o que eu quero é ter o herdeiro Santo dentro de mim.
Deito e tento respirar em meio ao pânico que se aproxima, tento racionalizar o que aconteceu enquanto inspiro o ar superficialmente e deixo o meu corpo se recuperar do choque colossal.
"Silêncio!" o Juan Santo grita com um latido cruel, ecoando pela montanha, e como o repentino estrondo de um trovão, sua voz interrompe o resto do barulho caótico, me dando algum alívio antes que o meu cérebro exploda.
Ele avança na nossa direção e arrasta fisicamente o seu filho pelos ombros, levantando-o da sua posição caída, agarrando-o e puxando-o como se fosse um louco.
Então, ele se vira com raiva para encará-lo, com puro ódio explodindo por toda a parte.
"Me diz que você não fez isso!" ele grita em um tom áspero, mas o Colton parece tão chocado quanto eu.
Sua postura geralmente confiante está toda curvada, e ele parece estar instável nas pernas, meio tombado de lado e sem saber o que diabos aconteceu conosco.
"Não sei o que foi... nunca... eu não sei!" Seu tom arrogante e dominante também sumiu.
Posso sentir os seus olhos voltados para mim enquanto luto para me sentar, me endireitando e finalmente tendo coragem de encará-lo.
Assim que encontro os olhos do Colton novamente, o mesmo choque me atinge no coração e no estômago como um baque forte, e entendo tudo.
Já ouvi o suficiente sobre essa conexão para entender o que é – já vi acontecer com outras pessoas.
Ele me encara com o mesmo desejo instintivo, e me sinto maluca para caminhar em sua direção e tocá-lo.
A necessidade de me aproximar e me envolver em seus braços, a maneira ansiosa como paramos e olhamos um para o outro enquanto o desejo apaga os sentidos e a fera domina o raciocínio humano...
Nós tivemos um imprint, uma marca de almas, e o Destino me deu o meu companheiro.
O Colton Santo é o meu alfa destinado, o lobo com quem devo passar a eternidade e seguir onde quer que ele vá.
Ele é o meu caminho, meu amante, minha vida, o pai da minha futura prole até o fim dos tempos.
E nada poderia ser pior que isso.